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28/10/2003 - 02h50

Caminho das Pedras: Influências múltiplas

FABIO CYPRIANO
da Folha de S.Paulo

Por que um dos mais populares artistas plásticos do Brasil, senão o mais popular, Candido Portinari (nascido em 30 de dezembro de 1903), tem uma discreta comemoração de seu centenário? O Museu de Arte Moderna de São Paulo apresentou, de julho a setembro passado, uma pequena exposição intitulada "Portinari Cem Anos - Alegorias do Brasil", com cerca de 30 obras, e o Rio recebe, no próximo mês, "Castro Maya, Colecionador de Portinari", no Museu Chácara do Céu, com as 200 obras do acervo da instituição. É pouco para as 4.700 obras produzidas pelo artista. Mesmo com a programação do centenário estendida para 2004, o que inclui novas mostras, é ainda modesto perto da obra de Portinari.

Reprodução
"O Lavrador de Café" (1934)
Provavelmente, isso ocorre pela sua popularidade e pela sua vinculação com o governo Getúlio Vargas, fatos que levaram a crítica a olhar seus trabalhos com má vontade. Ser chapa-branca é sempre marca negativa. Mas será mesmo?

A carreira artística de Portinari é uma das mais impressionantes do país. Há cerca de 80 anos, a cidade paulista de Brodósqui, onde o artista nasceu, recebia um pintor para decorar a matriz local. Portinari, então um rapazinho, foi logo espiar e, segundo o poeta Manuel Bandeira, de "mirone passou a ajudante e começou pela primeira vez a mexer com os pincéis".

Com 15 anos, Portinari mudou-se para o Rio. Lá, a partir de 1918, estudou na Escola Nacional de Belas Artes, durante um longo período de dez anos. Nos anos 30, questões brasileiras tornaram-se seu principal tema, justamente no segundo momento do modernismo do país, quando a linguagem moderna já estava assimilada e a identidade nacional era um tema a ser elaborado.

Portinari, um membro do Partido Comunista, incorporou em suas obras, então, as classes trabalhadoras, os tipos nacionais, como índios, negros e mestiços, e heróis, como Tiradentes. Sua tela "Café", com trabalhadores na lavoura cafeeira, ganhou a segunda menção honrosa na Exposição Internacional de Pintura de 1935, do Instituto Carnegie (EUA).

A partir de então, Portinari torna-se pintor oficial e passa a realizar vários murais e painéis externos de azulejos, como no Ministério da Educação, da equipe liderada por Oscar Niemeyer, no Rio, em 1943, e na igreja de São Francisco, na Pampulha, em Belo Horizonte, em 1944, do mesmo arquiteto. Visto dessa forma, Niemeyer seria também chapa-branca, mas o arquiteto continua cada vez mais badalado e admirado...

Talvez, então, o estilo variado de Portinari, que incorporou elementos de muralistas mexicanos, como Diego Rivera e José Clemente Orozco, e do cubismo de Picasso, também tenha incomodado certos críticos. Não a Mario Pedrosa (1900-1981), um dos mais influentes pensadores da arte nacional século 20. "O mestre brasileiro não carece de truques para impor-se ou ser compreendido", escreveu Pedrosa sobre o artista.

Na década de 40, o reconhecimento internacional alcançou um vulto que, só nos últimos dez anos, artistas brasileiros voltaram a reconquistar. Portinari foi o primeiro artista nacional a ter uma retrospectiva no Museu de Arte Moderna de Nova York, em 1940, e o primeiro a ter obras adquiridas pela instituição. A mostra do MoMA seguiu para 18 outros espaços expositivos de várias partes dos Estados Unidos. O auge no exterior ocorreu em 1956, com a inauguração dos painéis "Guerra e Paz", na sede da ONU, em Nova York, quando o pintor recebeu o prêmio Guggenheim.

A dedicação à arte acabou sendo cruel para Portinari, que morreu em 1962, vítima de envenenamento crônico provocado pelo contato com as tintas a óleo. Oficialesco ou não, Portinari foi um dos responsáveis pela criação de uma imagem do Brasil que alcançou rara repercussão e, hoje, é patrimônio do país, seja do ponto de vista formal, seja a partir do conteúdo de suas obras.

Fabio Cypriano, 37, é repórter da Ilustrada e autor de "Das - Um Olhar Contemporâneo" (Annablume, 1995). Acredita que todo governo deveria encomendar obras a artistas.

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