25/11/2003
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02h48
A solução é o caminho do meio
CYNARA MENEZESfree-lance para a
Folha de S.PauloHoje atuando no México como professora do Departamento de Investigações Educativas do Cinvestav (Centro de Investigação e Estudos Avançados do Instituto Politécnico Nacional), a psicolinguista argentina Emilia Ferreiro enviou, por e-mail, a seguinte resposta às críticas de Capovilla, reproduzida na íntegra, como solicita:
"O sr. Capovilla me atribui um poder que não tenho. Supõe que, do México, posso controlar o pensamento brasileiro? Ele é quem vive no Brasil. Despreza por acaso a capacidade de pensar, julgar e decidir dos educadores brasileiros? Ou quer jogar o conhecido jogo que consiste em dizer: 'Paulo Freire e Jean Piaget estão mortos (Emilia, desgraçadamente, ainda não morreu); olhem para mim, que sou o novo profeta'?
Entre uma técnica e uma teoria, há uma diferença que médicos e pesquisadores que usam a ressonância magnética e a tomografia computadorizada conhecem. Basta ler bem essas imagens para fazer um diagnóstico. Mas explicar o que essas imagens mostram é do domínio teórico. O sr. Capovilla promove técnicas, e seu método fônico é um 'remake' de métodos que têm mais de um século. Eu me ocupo de teorias. O método 'ideovisual' que ele me atribui não tem nada a ver comigo. Nunca me dediquei a inventar métodos nem a vender cartilhas. O que fiz foi pôr em evidência e tornar observáveis etapas importantes do desenvolvimento das crianças. Dediquei-me a mostrar e teorizar sobre o modo de pensar das crianças quando tratam de compreender a escrita. Superficialmente, e porque ele me cita, parece que falamos do mesmo. Mas ele fala de uma técnica (milagrosa, ao que tudo indica), e eu falo de crianças. Não há debate possível."
Co-autora dos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa, a psicóloga e pedagoga Rosaura Soligo explica que Emilia Ferreiro foi "uma das influências, mas não a única" na elaboração do documento. Segundo ela, as críticas de Capovilla são injustas ao atribuir aos PCNs o fracasso do Brasil no Pisa.
"Para assimilar novos parâmetros educacionais, são necessários de 10 a 15 anos", diz Soligo. "Os PCNs nem sequer foram assimilados pelos professores como tal." Segundo a pedagoga, a maioria das escolas usa o método misto, com cartilhas "que misturam o fônico com outras idéias".
Para a professora de fonética e fonologia, do Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp Bernadete Abaurre, autora de vários trabalhos sobre alfabetização, "não dá para afirmar que o fracasso do Brasil e do México no Pisa tenha a ver apenas com o método de alfabetização adotado". Os mexicanos ocupam a 34ª posição entre os 41 países pesquisados.
Apesar de ser ligada à área estudada por Capovilla, Abaurre não acredita que somente a mudança do método seja capaz de melhorar o desempenho dos estudantes. "O que o Pisa avalia é a capacidade de leitura. Entendimento de texto é outra coisa", diz a professora, para quem o resultado tem a ver com a formação do docente.
"A defesa da adoção do método fônico baseia-se no óbvio. Não dá para negar que há relação entre letras e fonemas, e o bom alfabetizador não vai ignorar isso em sala de aula", defende Abaurre. "Deve prevalecer o bom senso. Essas informações sobre a relação letra-fonema, embora existam, têm de ser contextualizadas, fazer sentido para a criança. Esse negócio de 'ou um ou outro' é algo que não vai dar certo nunca."
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