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27/01/2004 - 02h56

Caminho das Pedras: Para ouvir, ver e entender estrelas

JOÃO STEINER
especial para a Folha de S.Paulo

Os antigos chineses e egípicios já sabiam calcular a ocorrência de eclipses. Os gregos calculavam as órbitas dos planetas com razoável precisão. Ao fazer experiências sobre o movimento dos corpos, Galileu Galilei (1564-1642) deu origem à física experimental.

AFP/Nasa
Galáxia Andrômeda, registrada pelo satélite Galex

Naquele momento, a astronomia já era uma ciência desenvolvida. Tycho Brahe (1546-1601) havia construído um observatório astronômico inovador e, ao fazer medidas dez vezes mais precisas do que qualquer anterior, possibilitou a base para que Johannes Kepler (1571-1630) descobrisse as leis do movimento das órbitas dos planetas.

O próprio Galileu avançou a arte e a ciência de observar os astros ao construir a primeira luneta, predecessora dos telescópios. Com esse instrumento simples e engenhoso, ele descobriu que Júpiter tem luas —e ele logo viu quatro, o suficiente para fazê-lo acreditar na teoria heliocêntrica de Copérnico (1473-1543). Não parou nisso. Apontou a luneta para o Sol e viu que o astro-rei tem manchas, nunca antes suspeitadas. Ao olhar a Via Láctea com esse pequeno instrumento, viu que ela é composta por um número espantoso de estrelas.

Foram tempos gloriosos, em que poucos pesquisadores provocaram revoluções expressivas. O impacto cultural foi tão grande que, por pouco, não levou Galileu para a fogueira da Inquisição.

Essas revoluções foram baseadas em avanços tecnológicos. Tycho produziu instrumentos precisos, mas sem componentes ópticos, que ele ainda não conhecia. As técnicas ópticas introduzidas por Galileu foram essenciais aos muitos avanços científicos que se seguiram.

Newton (1642-1727) forneceu novos avanços tecnológicos, ao mostrar que espelhos podiam ser polidos de forma a focalizar a luz. Sem essa tecnologia, os modernos telescópios não poderiam existir. Mostrou ainda que a luz branca pode ser decomposta nas cores do arco-íris. Isso resultou na espectroscopia e na astrofísica.

Para observar fenômenos cada vez mais fracos e de forma cada vez mais precisa, a história da astronomia moderna se confunde com a da tecnologia da qual ela é, ao mesmo tempo, promotora e beneficiária. Surgiram como subprodutos o relógio mecânico, a óptica, a mecânica de precisão e, no século 20, a física de plasma e uma miríade de técnicas, muitas associadas a pesquisas espaciais.

No século 19, a ciência astronômica avançou na observação e na catalogação de estrelas, nebulosas e cometas sem que se tivesse clareza sobre sua natureza. Essa natureza se revelou só na primeira metade do século 20, quando se descobriu que o Sol é uma estrela típica entre 100 bilhões de outras, que giram em torno de um centro comum, formando uma estrutura que denominamos galáxia, a nossa Via Láctea, visível a olho nu.

Logo depois, Edwin Hubble (1889-1953) mostrou que há muitas galáxias que se afastam umas das outras, o que é conhecido como a expansão do Universo. Essa descoberta deu origem à teoria do Big Bang, segundo a qual o Universo se iniciou com uma explosão há cerca de 14 bilhões de anos. Em 1965, foi descoberta a radiação de fundo em microondas, que comprova, em grande detalhe e precisão, não só que o Big Bang existiu mas que ele ocorreu de forma inflacionária, isto é: nas primeiras frações de segundo, houve uma expansão extraordinária. Por isso existem as galáxias e seus aglomerados.

Em 1998 descobriu-se que o Universo está em expansão, mas, ao contrário do que se imaginava, essa expansão está em aceleração. É uma comprovação de que a maior parte da energia do Universo está sob a forma de uma misteriosa energia de repulsão, que faz com que as galáxias tendam a se afastar umas das outras.

O mais espantoso disso tudo é que todos os objetos e toda a matéria que conhecemos no Universo —as cerca de 100 bilhões de galáxias, cada uma com 100 bilhões de estrelas— são a ponta do iceberg. Tudo somado forma somente 4,6% da massa do Universo. Dos restantes 95,4%, não temos a mais vaga idéia do que sejam. Isso sugere que a astronomia, que é a mais antiga das ciências, seja também a ciência do futuro.

João Steiner, 53, é astrofísico, professor titular do IAG (Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas) e diretor do IEA (Instituto de Estudos Avançados), ambos da USP. É também presidente do consórcio Soar.

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