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30/03/2004 - 02h44

Resenha: Os inconformistas e a escola

MARCELO COELHO
colunista da Folha de S.Paulo

Por que as férias duram mais de dois meses? Por que uma aula tem 45 minutos? Por que uma classe deve ter 40 alunos? Quem pergunta é o empresário Ricardo Semler, que conversa longamente com o jornalista Gilberto Dimenstein e com o pedagogo Antonio Carlos Gomes da Costa em "Escola Sem Sala de Aula" (Papirus, 144 págs., R$ 24,90), que será lançado no início de abril.

O livro é uma "entrevista a três", por assim dizer, em que as idéias da escola tradicional são postas em xeque. Ricardo Semler publicou, há cerca de 20 anos, "Virando a Própria Mesa", livro sobre métodos gerenciais inovadores e antiautoritários adotados em sua empresa. Está agora envolvido na criação de uma escola libertária em São Paulo, a Lumiar. Inspirado sem dúvida na Summerhill, de A.S. Neill —experiência cujo insucesso é discutido com certa ligeireza neste livro—, o projeto permite que os alunos só estudem quando se interessam e que os procedimentos disciplinares da escola sejam deliberados democraticamente.

Radicalismo bem-vindo num momento em que as escolas —mesmo as liberais— se tornam cada vez mais conservadoras e em que a estupidez do vestibular acaba com a vida de todo adolescente.

O ideal de uma "escola sem sala de aula" é discutido por Semler, Dimenstein e Gomes da Costa de forma estimulante. Dimenstein fala de sua experiência no Projeto Aprendiz, em que o trabalho educativo com adolescentes de rua paulistanos implicou uma integração com o próprio bairro. No fim das contas, argumenta ele, a cidade inteira deveria ser uma "cidade-escola", com "um processo de aprendizado o tempo todo".

Gomes da Costa procura dar perspectiva teórica à discussão. Incorre em concessões que podem ter êxito em conferência, mas que funcionam mal num texto escrito: explica frases óbvias da Lei de Diretrizes e Bases usando versos de Gilberto Gil, por exemplo. Tampouco acrescenta muito colocar uma foto de Gil no canto da página —recurso visual que acontece cada vez que um nome célebre é lembrado: Rousseau, Piaget, João Figueiredo.

Felizmente, Ricardo Semler é inquieto o bastante para não se conformar com o "pedadoguês". Para os inconformistas em geral —e para quem não tolera a chatice do mundo escolar— eis um ótimo livro.

     

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