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27/04/2004 - 02h54

Gilson Schwartz: A esperança é digital

GILSON SCHWARTZ
colunista da Folha de S.Paulo

Desemprego, terror, corrupção, violência e ignorância tornam, a cada dia, mais difícil falar de inteligência no planeta, no país, na cidade. No entanto, em cada um desses males há mais inteligência do que supõe a nossa vã desesperança alimentada pelo telejornalismo.

O terror e a violência são frutos de inteligências refinadíssimas. Do seqüestro de um avião à explosão de um homem-bomba, são enormes o planejamento e a articulação, sempre usando o que há de mais avançado em química, informática e logística.

Assim como a pobreza não resulta dos indivíduos, e sim de uma situação política e social, a cada um dos males contemporâneos é possível associar interesses e modelos, ainda que o pobre coitado que se explode ou seqüestra faça isso em nome de uma divindade, invoque a paz e a justiça ou acredite num "juízo final".

Há na desgraça tanta inteligência quanto na busca da paz, do igualitarismo, do desenvolvimento. Há no "bem" tanta inteligência quanto no "mal". No entanto, faz parte das estratégias de cada um apresentar o outro como desprovido de inteligência. O inimigo é, por definição, irracional e ideológico.

Mas, se toda inteligência é relativa, de onde virá a esperança? Se o desenvolvimento da técnica não garante a evolução da espécie, como surgirão sociedades "melhores"?

Vão ganhando força os projetos sobre mídias digitais. A sociedade "melhor" seria a do conhecimento, construída por meio de redes de informação e comunicação desenvolvidas com tecnologias abertas.

O controle social resulta sempre de algum monopólio: da terra, dos meios de produção, do dinheiro, dos meios de comunicação. O desenvolvimento das redes digitais, no entanto, é incompatível com o monopólio. Seu sucesso e sua inteligência específica são coletivos, num sentido que desafia as formas rígidas de poder.

As cidades digitais têm crescido e são tema de colóquios e pesquisas. O mais recente ocorreu em Salvador, sob a coordenação do pesquisador da cibercultura André Lemos, professor da Universidade Federal da Bahia. Apaixonado seguidor das idéias de Michel Maffesoli (presente ao colóquio) e Pierre Lévy, Lemos aposta nas cidades digitais como espaços de "socialidade".

Ou seja, de "práticas cotidianas que escapam ao controle social", como o hedonismo, o tribalismo, o presenteísmo e o vitalismo.

Para Lemos, é a socialidade que "faz sociedade", desde as sociedades primitivas (momentos efervescentes, ritualísticos ou mesmo festivos) até as sociedades tecnologicamente avançadas. A socialidade é a multiplicidade de experiências coletivas baseadas não na homogeneização ou na institucionalização e racionalização da vida, mas no ambiente imaginário, passional, erótico e violento do dia-a-dia.

As cidades têm, portanto, futuro —e ele é digital, construído por uma inteligência que está além do bem e do mal.

Gilson Schwartz, 44, é diretor acadêmico da Cidade do Conhecimento da USP (www.cidade.usp.br). Os textos de André Lemos e o programa do simpósio "Cyberurbe" podem ser encontrados em www.facom.ufba.br/ciberpesquisa.
E-mail: schwartz@usp.br

     

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