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25/05/2004 - 02h48

Dez passos para conhecer o legado de Burle Marx

Felipe Chaimovich
crítico da Folha de S.Paulo

Uma das experiências paulistanas mais populares é ir ao parque Ibirapuera, em São Paulo (1953/54). Visto de dentro, contra a paisagem urbana ao redor, mais parece natureza que artifício. Assim, descubra que você talvez já conheça Burle Marx de longa data. Se nunca foi lá, ou não prestou atenção, note a sinuosidade dos traçados principais, que dialogam com a arquitetura de Niemeyer. Há um paralelismo de formas entre o lago e a grande marquise, que tomados de cima compõem um desenho abstrato. Entretanto, o projeto original é pouco visível, seja por não ter sido implantado nunca ou por ter sido deformado ao longo dos últimos 50 anos, completados agora em 2004. Veja o mapa da situação atual em www.prodam.sp.gov.br/ibira/mapa.htm.

A baía de Guanabara e o Pão de Açúcar são hoje vistos desde o vasto parque que se desdobra da Cinelândia até a avenida Rui Barbosa. No ano em que o Rio perdia a posição de capital federal, ganhava o aterro do Flamengo (1961). Entre os edifícios e a praia, correm paralelas pistas de automóveis, entremeadas de jardins até o calçadão costeiro. O complexo paisagístico teve início em 1954, com os jardins do Museu de Arte Moderna, no flanco esquerdo do aterro. O ajardinado monumental acompanha a Lapa, a Glória e o Flamengo, com o Corcovado de um lado e o Dedo de Deus do outro. Passeie por entre os volumes de plantas, notando como o desenho abstrato do projeto bidimensional ganha variadas escalas de altura conforme as touceiras. As florações tropicais criam ritmos cromáticos ao longo do ano, percebidos por pedestres e passageiros. Assim, o ciclo das estações é incorporado à vivência urbana no espaço público.

O edifício hoje conhecido como Palácio Capanema é um marco da aliança entre os modernistas e a presidência de Getúlio Vargas -não dá para perder os jardins e terraços do Ministério da Educação, no Rio de Janeiro (1938-45). Os jardins dialogam com painéis de azulejo de Cândido Portinari e com esculturas de Bruno Giorgi. O gabinete do ministro tem um terraço suspenso particular, três andares acima do nível da rua, na laje de uma sobreloja envidraçada perpendicular ao prédio principal. O conjunto foi declarado monumento internacional pela Unesco. Situa-se na rua da Imprensa, 16, na capital fluminense, e fica aberto ao público de segunda a sexta, das 9h30 às 17h30.

Ao redor de um lago, Burle Marx e Niemeyer trabalharam juntos, a convite do prefeito da cidade de Belo Horizonte, Juscelino Kubitschek, na construção do Iate Clube, da igreja de São Francisco e do Cassino (atual Museu de Arte da Pampulha) no bairro da Pampulha (1942). O prédio do cassino é cheio de vidraças e ficou conhecido como Palácio de Cristal -sua transparência realiza a aspiração arquitetônica moderna de integrar interior e exterior.

Nesse ponto, aproveite para mergulhar em conversas com Burle Marx e sobre ele. O livro "Nos Jardins de Burle Marx", organizado por Jacques Leenhardt (Perspectiva, 150 págs., R$ 33), é resultado de um colóquio sobre o paisagista brasileiro, realizado na França, em 1992. Em um dos capítulos, Burle Marx descreve sua própria trajetória. A escolha de imagens é breve e sintética: o plano de jardim para residência na Califórnia, de 1948, pode ser visto como planta arquitetônica ou como desenho abstrato.

No Museu Imperial, em Petrópolis (1955), se deu o principal diálogo de Burle Marx com Glaziou, que no século 19 projetara os jardins originais da residência de verão do imperador. Após a proclamação da República, a propriedade havia se degradado até ser transformada em museu. A restauração do parque frontal pelo paisagista moderno seguiu um desenho mais próximo do jardim pitoresco: os canteiros simétricos distribuem-se em eixos ortogonais ao palácio e estátuas do império foram dispostas pelas aléias sombreadas. Veja a planta do jardim no endereço www.museuimperial.gov.br.

O centro da cidade de Brasília é o canteiro do Eixo Monumental (1961), projetado por Burle Marx, em colaboração com Lúcio Costa e Niemeyer. O eixo articula o Teatro Nacional, a catedral, a Esplanada dos Ministérios, o Palácio do Itamaraty, o Palácio do Planalto, o Palácio da Justiça e o Congresso Nacional. Também esses edifícios têm jardins próprios. Entre eles, destaca-se o do Ministério das Relações Exteriores, o Palácio do Itamaraty (1965): o prédio é cercado por uma lâmina d'água com canteiros submersos e, no fundo do saguão principal, cresce uma exuberante flora dentro do jardim de inverno. A capital brasileira foi declarada Patrimônio da Humanidade pela Unesco em 1987.

Para conhecer um pouco mais sobre o paisagista, vale tentar ir até uma de suas residências, o Sítio Roberto Burle Marx. Em 1949, Burle Marx se instalou ali, no município de Santo Antônio da Bica, no Rio de Janeiro. Lá cultivava as plantas colecionadas para seus jardins, parques e arranjos florais. As estufas estão preservadas até hoje. Ele arrumava a propriedade à sua maneira e, após almoços e jantares, entretinha os convidados como cantor lírico. O proprietário doou em vida o sítio ao Patrimônio Histórico, que hoje o conserva. Para visitá-lo, deve-se agendar o passeio no site www.iphan.gov.br/bens/Museus/robertoburlemarx.htm.

Se tiver um interesse botânico nos elementos utilizados pelo paisagista em suas obras, consulte o livro de Lorenzi e Mello Filho "As Plantas Tropicais de R. Burle Marx" (Instituto Plantarum, 504 págs., R$ 100). Fique de olho nas espécies descobertas por Burle Marx, como a Anthurium burle-marxii, a Begonia burle-marxii e a Heliconia burle-marxii. Os verbetes são ilustrados, permitindo uma interpretação acurada de projetos de jardim.

Por fim, faça uma caminhada pelo calçadão da avenida Atlântica (1970): o alargamento da praia de Copacabana ganhou a marca dos desenhos de Burle Marx, executados em pedra portuguesa. Alguns coqueiros e palmeiras completam a paisagem icônica do Brasil. Para finalizar seu "Caminho das Pedras", relaxe aproveitando a beleza dessa praia, enquanto anda pela curva suave do Leme ao Posto 6.

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  • Caminho das Pedras: O senhor dos jardins

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