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25/05/2004 - 03h08

Gilberto Dimenstein: A escola de invenções de Ziraldo

Gilberto Dimenstein
colunista da Folha de S.Paulo

O menino Ziraldo Alves Pinto tirava boas notas na escola em que estudava em Caratinga, no interior de Minas. "Era o melhor aluno da classe", diz com uma ponta de orgulho. Mas nem de longe era caxias, desses que passam as tardes decorando e se esmerando nas lições de casa. Estava mais para o estilo do "Menino Maluquinho", personagem que criou. O segredo: "Eu adorava ler, lia tudo, rigorosamente tudo, o que caía nas minhas mãos".

Matangra
À paixão pelos livros iniciada na infância somou-se, na vida adulta do escritor renomado de livros infantis, a romaria de 24 anos entre professores de todo o país. Dessa combinação, Ziraldo chegou ao que considera a receita da escola ideal: "É o lugar em que se ensina, antes de mais nada, o prazer pela escrita e pela leitura."

Alguém como ele, que faz crianças e jovens terem o prazer da leitura —e, portanto, pelo aprendizado—, pode não ser professor nem pedagogo, mas é um educador. Nessa condição, Ziraldo vem tentando educar os professores, em palestras e encontros pedagógicos. "A escola deve ser essencialmente um espaço para inventividade e experimentações." A química do aprender, na sua visão, está em misturar o viver com as letras.

O aprendizado deve estar ligado à vivência e ao imaginário dos estudantes. Em essência, a descoberta da vida deve estar associada à descoberta da literatura e das mais variadas formas de expressão, a começar da escrita. Isso significa, acrescenta, o enterro da expressão "leitura obrigatória", que faz as crianças verem o livro como um fardo.

À medida que domina a leitura, sabendo conectá-la permanentemente ao seu cotidiano, o estudante, diz Ziraldo, desenvolverá autonomia de pesquisa e estará mais habilitado a inventar e experimentar. Estaria aí o antídoto para enfrentar o excesso de informação da sociedade, o que exige treino para selecionar e sintetizar.

Como se vê, as lições de Ziraldo vieram menos da romaria pelas escolas —"É triste a pressão que sofrem as professoras, verdadeiras heroínas"— e mais das experimentações do menino em Caratinga, seduzido pelos livros. "Para mim, a escola era uma festa, porque vivia no meio dos livros."

Gilberto Dimenstein, 46, é jornalista e membro do Conselho Editorial da Folha de S.Paulo e faz parte do board do programa de Direitos Humanos da Universidade de Columbia (EUA). Criou a ONG Cidade Escola Aprendiz, em São Paulo.
E-mail: gdimen@uol.com.br

     

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