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29/06/2004 - 02h50

Caminho das Pedras: Ouvidos para sentir

João Batista Natali
da Folha de S.Paulo

Uma pergunta: desde que o mundo é mundo, quantos compositores escreveram música clássica? Bem, ninguém saberia responder. É até possível que o número provável de compositores com algum talento e que tenham se notabilizado quando vivos esteja em torno de 50 mil. Sabemos que hoje apenas 1.500 deles são interpretados com certa freqüência. Tudo isso?

Bem, não é a quantidade que interessa. A idéia importante é a seguinte: o tempo é teoricamente uma peneira capaz de entregar aos nossos ouvidos o que se escreveu de melhor.

Essa peneira é generosa. Funciona como critério de seletividade. Digamos hipoteticamente que foram escritas 4.000 sinfonias, mas temos agora ao nosso alcance as 200 melhores. Isso ocorre também na literatura, na poesia, no teatro. No caso da música, ela freia os modismos e nos entrega aquilo que foi inovador e bem escrito em pentagrama. Essa já seria uma razão suficiente para ouvirmos toneladas de música clássica. Mas boa parte das pessoas "não gosta".

Coloco entre aspas porque é impossível não gostar daquilo que se desconhece. Ou então daquilo que não chega até nós porque o mercado não deixa. A música para o mercado é atualidade descartável, feita por personagens ainda vivos e de preferência celebridades. Existem ainda os preconceitos bobinhos, como "música clássica é difícil" e "música clássica é triste, coisa de igreja".

Pois saiba que música clássica é fácil. E há também de todo tipo: alegre, triste, meditativa. Há música para piano, para piano e voz, para quarteto de cordas (dois violinos, uma viola e um violoncelo), para corais (só vozes), para orquestra sinfônica de uma centena de músicos. Uma linda barulheira.

Como "entender" de música clássica? Pois bem, não é preciso entender. Basta sentir. Seria uma cretinice imperdoável precisar "entender" de cinema para assistir a um filme no sábado à noite.

O repertório clássico —também se usa a palavra "erudito", por mais que ambas sejam inadequadas— é imenso. Pode-se entrar nele por qualquer uma de suas inúmeras portas.

Vejamos a partir do Renascimento. Há um italiano fabuloso, chamado Giovanni Palestrina (1525-1594). Ele compôs música sacra, mais de cem missas e cem madrigais. Todos os compositores do barroco se referiam a ele como um mestre. Barroco? Bem, foi o nome da música que se fez do século 16 até meados do século 18. Seus dois últimos grandes mestres foram Johann Sebastian Bach (1685-1750) e Georg Fredrich Händel (1685-1759).

Entre os barrocos também estão Vivaldi, Rameau, Lully, Monteverdi, Dowland, Purcell e tantos outros. Fizeram uma música riquíssima. Lembram-se de "As Quatro Estações", de Vivaldi? Pois é. Há um conjunto de instrumentos que expõem a melodia (violinos e oboés, por exemplo). E outros instrumentos que fazem só o acompanhamento (cravo, violoncelo). As frases musicais são cheias de ornamentos, pequenas notas auxiliares bem rápidas que são tocadas pertinho das notas da linha melódica.

Depois veio a música clássica propriamente dita, que durou até o começo do século 19. Há dois nomes magníficos do período: Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791) e Joseph Haydn (1732-1809). Há neles humor, reflexão, alto entretenimento.

Em seguida veio o romantismo, com o individualismo, o amor, o tesão. O século 19 foi prodigioso. Nele nasceram as grandes orquestras sinfônicas. E a música se tornou "business" —comprava-se ingressos para concertos, em lugar de ouvi-la em igrejas ou como convidado de mecenas. Ninguém diria que Ludwig van Beethoven (1770-1827) é chato ou fez música feia. Há suas nove sinfonias. Mas ele também escreveu duas missas, uma ópera, 17 peças para quartetos de cordas, 32 sonatas para piano. E por aí vai.

Junto ou na seqüência vieram Schubert, Berlioz, Mendelssohn, Liszt, Brahms, Dvorak, Tchaikovski. E isso sem falar nos operistas (Verdi, Bizet, Wagner). Já encostando no século 20 estão Gustav Mahler, Claude Debussy, Richard Strauss. E, no século 20, Stravinski, Ravel, Britten, Schoenberg, Chostakovich, Prokofiev, Boulez.

Muitos nomes, não é? Pois saiba que cada um deles é uma porta. Se quiser entrar, seja bem-vindo.

João Batista Natali, 56, é repórter especial da Folha de S.Paulo e gosta de música clássica desde a adolescência.

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