Folha Online sinapse  
31/08/2004 - 03h38

A matemática do jacaré

Rogerio Wassermann
free-lance para a Folha de S.Paulo, de Londres

Para o matemático australiano Neville de Mestre, 66, surfe é coisa séria. Professor emérito da Bond University, em Queensland, ele publicou um artigo científico sobre a matemática e a física envolvidas no bodysurfing, ou pegar jacaré _esporte que consiste em deslizar pela onda usando apenas o próprio corpo.

De Mestre não é um professor típico. Campeão mundial de Ironman Surf (esqui na água, surfe sobre prancha, natação e corrida) na faixa etária acima de 60 anos, ele pode ser encontrado mais facilmente pegando ondas do que em sala de aula.

O australiano tem uma longa experiência em pesquisas ligadas à atividade física, mas somente agora completou um estudo científico sobre seu esporte de devoção. O artigo, chamado "A Matemática e a Física do Bodysurfing", foi publicado na última edição do "International Journal of Computer Science in Sport" e está na página do pesquisador (www.bond.edu.au/it/staff/neville.htm).

"Decidi investigar o bodysurfing porque o pratico desde 1946", disse por e-mail ao Sinapse. A ligação com sua área de trabalho acadêmico era natural: ele tem especialização em pesquisas de matemática aplicada à dinâmica dos fluidos (movimento de líquidos).

Dicas

Sugestões de Neville de Mestre para pegar jacaré:

- Comece a praticar em uma área rasa, para se lançar em uma onda tomando impulso do chão

- Quando conseguir pegar uma onda, tente acompanhá-la o máximo que puder. Isso também exige controlar a respiração

- Tente pegar a onda com uma só braçada, quando ela estiver para quebrar. Você pode começar usando pés-de-pato, mas depois descarte-os

- Mantenha os braços apontados para frente e a cabeça para baixo para melhorar a aerodinâmica do corpo e flutuar na onda o máximo possível

- Tente novos movimentos e manobras

Para tentar desvendar o esporte, De Mestre analisou o comportamento de objetos inanimados _troncos, garrafas plásticas e até bonecas Barbie_ ao serem carregados por uma onda. Uma das conclusões a que chegou é que esses objetos, independentemente da posição inicial, tendiam a se acomodar horizontalmente, rolando em torno de si mesmos ao serem empurrados pela água. "Esses modelos não têm um mecanismo de reação, como os humanos, para corrigir a posição do corpo durante o caminho", diz no estudo.

Outra observação sua faz sentido para quem já tentou _em vão_ correr atrás de uma onda depois que ela quebrou. "Um bom nadador consegue atingir 2 m/s de velocidade, contra 3 m/s da onda. O surfista precisa acelerar rapidamente até a velocidade da água", afirma. Para isso, o ideal é esperar até que a onda atinja seus pés, momentos antes de ela quebrar, e assim "pegar uma carona".

O estudo explica também por que o praticante perde a onda: a frente do corpo acompanha a crista da onda, quando os pés do surfista atingem a região posterior, onde a velocidade da água é menor, quando não contrária. Os pés começam então a afundar, e o surfista "cai".

Isso demonstra, segundo De Mestre, por que uma pessoa alta e magra tem mais dificuldades para se manter em uma onda do que uma baixa e gorda. Para tentar contornar esse problema, a solução pode ser "encurtar" as pernas: "Alguns surfistas dobram uma perna ou ambas, levantando-as verticalmente, para permanecer na onda por mais tempo. Isso também ajuda a reduzir a força contrária", diz o professor.

O artigo decepciona quem quer apenas dicas científicas para pegar jacaré. Há nele algumas equações que, segundo De Mestre, explicam matematicamente o movimento de uma pessoa durante o bodysurfing, mas elas não dizem muito aos esportistas nem os ajuda a se manter por mais tempo sobre a onda. O professor sabe disso. "Os praticantes podem ler o artigo, mas realizar os movimentos é o mais importante."

De Mestre, entretanto, afirma se beneficiar de seus estudos. "Freqüentemente, outros competidores me perguntam por que eu tentei certa estratégia em um certo dia e em um certo tempo. Respondo que penso sobre a situação de maneira lógica. Mudo minhas estratégias dependendo do tamanho das ondas, da força do vento, da maré e do número de eventos em que compito em um só dia _às vezes dez", diz.

Com uma carreira esportiva tão premiada quanto a acadêmica, ou mais, o professor afirma que muitas pessoas se surpreendem ao ver um docente veterano competir com sucesso em atividades esportivas relacionadas a jovens e muito mais ligadas à idéia de sol-praia-garotas do que aos livros escolares. Mas ele não liga: "Faço o que gosto de fazer. Não me importo se nenhum outro professor fizer o que faço".

     

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