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28/09/2004 - 03h18

Caminho das Pedras: A arte da proximidade

Cacilda Teixeira da Costa
especial para a Folha de S.Paulo

Entrar numa galeria ou numa grande exposição de arte, como a Bienal de São Paulo, é normalmente mais intimidante do que deveria ser. Mas o que faz a arte contemporânea tão "difícil"? Justamente o que ela tem de mais simples: a proximidade com nosso tempo. Diante dela, há pouca ou nenhuma perspectiva histórica. Por outro lado, se a apreciação é prejudicada, é nas obras contemporâneas que a relação entre vida e arte é mais forte.

Reprodução
"Roda de Bicicleta" (1913), obra de Marcel Duchamp
Cada vez que surgem obras "estranhas", realizadas em meios inéditos, como os trabalhos da fase cubista de Picasso —em que surgem as primeiras colagens— e os "ready-mades" de Duchamp, há um esforço da crítica para classificá-las. Ainda hoje isso acontece, com termos como webarte, videoinstalação e ambientes imersivos.

Geralmente, são os críticos que os inventam, mas os artistas também participam da criação dessa nomenclatura. Em princípio necessárias, as classificações podem, entretanto, levar a reduções ou rótulos empobrecedores, principalmente num momento como o atual, marcado pela mais desconcertante variedade de experimentações e incorporações de novos materiais e novas tecnologias.

O termo "moderno" designava, em sua origem, o que é atual, presente, que está acontecendo agora, seja em que tempo for. Assim, na Idade Média, ele diferenciava aquele momento da Antigüidade. Todas as épocas foram, a seu tempo, modernas.

Charles Baudelaire utilizou o termo no ensaio "O Pintor da Vida Moderna" (1863), em que descreve o artista Constantin Guys como uma espécie de repórter da atualidade, do espetáculo da vida contemporânea, dos modos —da beleza transitória e fugaz da vida presente— que ele chamou de "modernidade".

Assim, a chamada arte moderna surgiu no ocidente no final do século 19, mas a data escolhida para marcar o seu início foi 1905 (apresentação dos fauvistas no Salão de Outono, em Paris), ou a década de 1910, quando surgiram simultaneamente movimentos que romperam radicalmente os cânones da arte acadêmica.

Esses movimentos, conhecidos como vanguardas, tiraram sua denominação de um termo de origem militar e significavam o avanço de pequenos grupos de atores culturais sobre a grande massa da população, engendrando revoluções permanentes, até aproximadamente a Segunda Guerra Mundial. Foram os chamados "ismos": fauvismo, cubismo, futurismo, expressionismo, construtivismo, suprematismo, neoplasticismo, dadaísmo, surrealismo etc.

Englobando a todos, o modernismo difundiu-se pelo mundo, integrando a América Latina a partir da década de 1920 —no Brasil, a Semana de Arte Moderna de 1922 é um marco dessa adesão. A modernidade dos latino-americanos desenvolveu-se com características próprias, mesclando a visão moderna com o mergulho nas raízes de uma identidade cultural. Exemplos indiscutíveis são as obras dos brasileiros Vicente do Rego Monteiro e Tarsila do Amaral.

Em 1929, foi inaugurado em Nova York o MoMA (Museu de Arte Moderna), concebido para abrigar obras de arte moderna, o que deu origem a inúmeros museus pelo mundo todo, inclusive no Brasil, onde os MAM de São Paulo e do Rio foram inaugurados na década de 1940. O espírito moderno consolidou-se, e é aceito que o modernismo teve seu ponto de maior estabilidade na década de 1950, quando as abstrações tornaram-se a expressão oficial da arte —exceto na União Soviética, onde imperava o realismo socialista.

Já os revolucionários anos 1960 constituem a fase tardia do modernismo, em processo de fragmentação. Surge a visão figurativa inédita da pop art, trazendo consigo uma avalanche de novos meios e novas atitudes, como objetos, ambientes, "happenings" e novas tecnologias, quase ao mesmo tempo em que se inicia o movimento conceitual, propondo uma imersão no lado secreto e desmaterializado das artes visuais —a arte como idéia.

Ainda nos anos 60 e 70, surge na arquitetura o movimento pós-moderno, que utilizava todo o repertório iconográfico da história da arte e rapidamente se espalhou para os outros campos artísticos. A partir daí, nos referimos à arte como contemporânea ou atual. É a arte que se apresenta nas Bienais, nos museus e nas galerias, em ininterrupta renovação, interagindo com política, filosofia, psicologia, sexualidade e tecnologia, além de influenciar publicidade, TV, moda e todas as faces da produção cultural.

Cacilda Teixeira da Costa é doutora em artes pela Universidade de São Paulo e especialista em arte moderna e contemporânea. É autora de "Arte no Brasil 1950-2000" (Alameda Casa Editorial), "Livros de Arte no Brasil" (Cosac & Naify/Itaú Cultural) e "O Sonho e a Técnica" (Edusp).

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