Folha Online sinapse  
30/11/2004 - 02h48

Para poucos e pelo ambiente

Rogerio Wassermann
free-lance para a Folha de S.Paulo, de Londres

Meia hora de meditação, seguida de um café da manhã coletivo, uma reunião geral e uma curta sessão de exercícios físicos. Assim começam os dias no Schumacher College, uma faculdade britânica de ecologia e ciências holísticas que atrai estudantes do mundo todo em busca de seus métodos alternativos de aprendizagem e de sua filosofia voltada para o desenvolvimento sustentável.

Localizado num casarão medieval na zona rural da Cornualha (costa sudoeste do Reino Unido), o Schumacher College oferece mestrado de um ano em ciências holísticas e uma variedade de cursos rápidos ligados à temática do ambiente e do desenvolvimento sustentável.

Uma de suas atrações é a equipe docente, que inclui nomes consagrados da ciência não-tradicional, como o médico humanista americano Patch Adams, retratado por Robin Williams no filme de 1998 que leva o seu nome, o físico teórico Fritjof Capra, autor do best-seller "O Tao da Física", a antropóloga britânica Jane Goodall, conhecida por seus estudos sobre o aprendizado de chimpanzés, e Deepak Chopra, médico indiano radicado nos EUA e reconhecido defensor da medicina alternativa. O dalai-lama, líder espiritual do Tibete, é o patrono da instituição.

A faculdade foi criada em 1991 com o intuito de gerar e difundir "uma nova visão para a sociedade, com novos valores e uma nova relação com a Terra". Desde então já recebeu cerca de 2.500 alunos de 73 países (25 deles do Brasil). Além de 12 alunos no curso de mestrado a cada ano, o Schumacher College recebe periodicamente grupos de até 25 alunos para cursos com duração entre cinco dias e três semanas. São organizados anualmente cerca de dez desses cursos.

Durante o período de estudo, todos os estudantes ficam hospedados na faculdade e participam de uma série de eventos, desde debates e palestras até atividades de limpeza e manutenção do local, como jardinagem, faxina e culinária. Uma vez por semana, reúnem-se para uma viagem curta para estudo de campo. "Nossos estudantes vivem numa comunidade de aprendizado cujos membros comem e trabalham juntos", diz ao Sinapse Anne Phillips, diretora do Schumacher.

Para ela, a instituição não pode ser comparada a uma faculdade comum tanto por causa do currículo como em razão de seu tamanho. "Em qualquer época, não temos mais do que 35 alunos", diz. "Dessa forma, o aprendizado pode ser discutido a fundo, refletido e reforçado conforme ele acontece, e o conteúdo dos cursos pode ser adaptado às necessidades das pessoas que participam deles."

Outra característica é o aspecto multicultural de professores e alunos. "O Schumacher College atrai estudantes de todo o mundo, com diferentes níveis de aprendizagem e origens culturais e sociais. Os alunos têm idades que variam de 20 a 80 anos e são divididos de forma praticamente igual entre os dois sexos. Enfim, não há um perfil típico", diz Phillips.

O engenheiro carioca Ricardo Castello Branco, 51, já passou por lá duas vezes. Gerente-geral de pesquisa e desenvolvimento em energia e desenvolvimento sustentável da Petrobras, ele foi à instituição em julho de 2002, para um curso de três semanas ministrado por Fritjof Capra. Voltou em julho deste ano, trabalhando como voluntário e aproveitando o tempo livre para realizar contatos e discussões com professores e outros alunos e para estudar na biblioteca do local, que conta com cerca de 4.000 volumes sobre ecologia.

"Quando estive no Schumacher pela primeira vez, minha expectativa era ampliar meu conhecimento sobre ecologia e ciências ambientais, tendo acesso a uma visão alternativa, que ia além dos cursos avançados das melhores universidades", diz Castello Branco. "Mas não tinha idéia de que a faculdade propiciava uma visão da ecologia incorporando filosofia, consciência social e espiritualidade", diz o engenheiro, que, antes de estudar no Schumacher, já havia feito um mestrado em ambiente no Imperial College, de Londres.

Ele considera que a experiência teve um grande impacto na sua vida profissional e pessoal. "O curso mudou meu posicionamento diante do mundo tanto no dia-a-dia como nas minhas atividades profissionais", diz. Três meses após retornar de sua primeira estadia na faculdade, recebeu uma oferta de promoção em seu trabalho. "O fato de eu ter estado no Schumacher possibilitou que eu aceitasse a oferta, consciente das dificuldades que me esperavam."

A maioria dos alunos chega ao Schumacher em um momento de decisão em suas vidas, segundo Anne Phillips. "Aqui o estudante tem acesso a visões e a professores com os quais não teriam contato em nenhum outro lugar", afirma.

O Schumacher College foi batizado em homenagem ao filósofo e economista E. Fritz Schumacher, autor de uma das bíblias do desenvolvimento sustentável, "Small is Beautiful: Economics as if People Mattered" (Pequeno é belo: economia como se as pessoas importassem), de 1973. A obra é uma espécie de libelo contra a crescente desumanização provocada pelas sociedades industriais.

A aplicação das teorias de Schumacher à aprendizagem é resumida em uma citação sua destacada no site da instituição (www.schumachercollege.org.uk): "O volume da educação continua a aumentar, mas aumentam também a poluição, a exaustão dos recursos e os perigos de uma catástrofe ecológica. Se mais educação deve nos salvar, deveria ser uma educação que nos leve à profundidade das coisas".

O objetivo do Schumacher College é a formulação de novas idéias por meio da interação entre professores e alunos. Essa filosofia de trabalho foi o que atraiu o biólogo e matemático canadense Brian Goodwin, 73, orientador do curso de mestrado. "A principal diferença de ensinar no Schumacher é o contexto comunitário do aprendizado. Professores e alunos trabalham juntos, aproveitando o meio rural para interagirem de maneira próxima e deliberada com a natureza", diz.

Nos cursos do Schumacher College os focos principais são os modelos alternativos de desenvolvimento, as perspectivas ecológicas na psicologia, na espiritualidade, na filosofia, na ciência holística, na tecnologia e no design. Os temas parecem saídos de uma reunião de ativistas antiglobalização, mas os professores fazem questão de dizer que não são anticapitalistas e antimercado, mas sim que buscam "impulsionar o potencial do mercado e das corporações para a realização de mudanças benéficas", segundo Goodwin.

Um dos principais cursos rápidos promovidos pela faculdade tem o nome de "Business & sustainability" (Negócios e sustentabilidade), que prega o "capitalismo natural" —como as empresas se beneficiam ao trabalhar com a natureza em vez de lutar contra ela. Entre as idéias difundidas no curso de cinco dias estão o aumento da produtividade com o fim do desperdício e o reinvestimento em capital produtivo.

Em janeiro, um curso de três semanas vai abordar a relação entre a saúde humana e a preservação do ambiente —"Healthy people, healthy planet: holistic perspectives on health" (Pessoas saudáveis, planeta saudável: perspectivas holísticas em saúde), com Patch Adams e Deepak Chopra entre os docentes. Em março, "In search of Earth ethics" (Em busca da ética da Terra) discutirá a utilização de recursos naturais.

Os cursos rápidos do Schumacher custam cerca de 500 libras por semana (cerca de R$ 2.600), com acomodação e alimentação. O mestrado em ciências holísticas custa 9.455 libras (cerca de R$ 50 mil) mais 100 libras por semana (R$ 520) pela estadia. Há um número reduzido de bolsas de estudo, oferecidas em conjunto com a Ford Foundation, para brasileiros com atividades ligadas ao trabalho comunitário e a ONGs.

     

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