Folha Online sinapse  
30/11/2004 - 03h16

Português para japonês

Adriano Schwartz
especial para a Folha de S.Paulo

Ronald Polito, 43, chegou ao Japão por acaso. Tentou demover um amigo de prestar um concurso na Tokyo University of Foreign Studies (www.tufs.ac.jp) e, de brincadeira, disse que enviaria um currículo ele mesmo. Uma semana depois soube que fora aceito como professor visitante no Departamento de Estudos Luso-Brasileiros, onde permaneceu por três anos.

Autor de, entre outros, "Um Coração Maior que o Mundo - Tomás Antônio Gonzaga e o Horizonte Luso-Colonial" (Globo), além de ter preparado edições de obras como "O Desertor" (Unicamp), de Silva Alvarenga, e "Caramuru" (Martins Fontes), de Santa Rita Durão, o especialista em arcadismo, já de volta ao Brasil e com um livro sobre a sua experiência, que deve ser lançado em breve pela editora Globo, discute na entrevista a seguir as diferenças entre os universos acadêmicos dos dois países e algumas das conseqüências da ocidentalização japonesa.

Sinapse - Como são as universidades no Japão?
Ronald Polito -
Elas são bem diferentes. Na universidade em que trabalhei, cuja realidade não é muito distante da de outras japonesas, a carga de trabalho é enorme. Predomina o "aulismo" em detrimento da pesquisa, que me pareceu escassa. Eu ministrava sete aulas de 150 minutos por semana, e eram sete disciplinas diferentes. Os professores japoneses efetivos podiam ser submetidos a uma carga ainda maior, de oito ou nove aulas semanais. Eu dava aulas para os quatro anos do curso de graduação e para o mestrado do Departamento de Estudos Luso-Brasileiros.

Sinapse - Seus alunos possuíam algum conhecimento de literatura brasileira?
Polito -
A grande maioria não tinha praticamente conhecimento nenhum. E, mesmo da literatura japonesa, como pude observar com o passar do tempo, as informações que possuíam eram mínimas. Diferentemente do Brasil, o estudo da literatura japonesa é mínimo e sempre acoplado a questões lingüísticas. Não há quase nenhuma informação sobre a literatura ocidental no que seriam o primeiro e o segundo graus de escolarização no Japão. Só há alguns professores, que talvez não cheguem a meia dúzia, que se dedicam a traduzir e a escrever textos de história ou crítica literária sobre certos autores do Brasil. Tudo isso é muito surpreendente, pois a comunidade de brasileiros no Japão ultrapassa 200 mil, mas são poucos os candidatos ao vestibular para os departamentos de estudos luso-brasileiros, e as seções de obras em língua portuguesa são, quando muito, sofríveis. Por outro lado, são raríssimos os hispano-americanos ou espanhóis no Japão, mas os cursos de língua espanhola atraem um público bem maior, e as respectivas seções das bibliotecas são bem razoáveis.

Sinapse - Eles têm um conceito diferente de literatura?
Polito -
Não cheguei a detectar se os japoneses têm ou tinham um conceito de literatura diferente dos ocidentais. Até onde pude perceber, a tendência do Japão a ocidentalizar suas formas de pensamento tem levado a que eles passem a refletir sobre o fenômeno literário em termos semelhantes aos praticados por aqui. Essa ocidentalização, portanto, se não é total nem é capaz de eliminar a cultura milenar que ali se forjou, não é pequena. Pelo contrário, é maciça, interfere diretamente nos comportamentos, nos hábitos, nos gestos, nas formas de se vestir, nas crenças etc., pelo menos numa cidade tão cosmopolita e "ocidental" quanto Tóquio. Já a realidade do interior é diferente. Lá estão mais preservados os antigos modos de vida.

Sinapse - Que tipo de crítica predomina?
Polito -
A universidade japonesa tende, em geral, a se adequar aos padrões ocidentais de produção de conhecimento em todas as áreas do saber. Nesse sentido, as diversas escolas de teoria e crítica literária ocidentais vêm sendo assimiladas e reproduzidas no arquipélago. Nada casual, portanto, que, na universidade em que trabalhei, a revista mais importante se chame "Trans-Cultural Studies", o que diz tudo, segundo meu entendimento.

Sinapse - Você escreveu sobre sua experiência no país?
Polito -
Durante o período em que estive lá, fui me interessando muito por crônicas, que escrevi ao sabor do acaso, mandando para amigos do Brasil, que me incentivaram a continuar. Esse projeto resultou em 25 crônicas, quase todas longas, e elas versam sobre temas bem específicos. No fundo, talvez componham um vasto painel do que vi por lá. Chegando ao Brasil, reuni e retoquei todas elas e as enviei para uma editora. O enfoque principal é, sem dúvida, o da crítica e o da ironia. A sociedade japonesa continua bem fechada para o resto do mundo. Um estrangeiro no Japão é muito maltratado, pois os japoneses são, em geral, impermeáveis aos outros povos, mesmo que eles próprios adorem visitar todo o planeta. São raros os estrangeiros no Japão, não apenas porque o turismo japonês é dos mais caros do mundo como também porque não somos bem recebidos.

Adriano Schwartz é doutor em teoria literária pela USP e autor de "O Abismo Invertido - Pessoa, Borges e a Inquietude do Romance em 'O Ano da Morte de Ricardo Reis'" (Globo).

     

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