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22/10/2004

Vida de foca

MARIA FERNANDA VOMERO

Os recém-formados em jornalismo enfrentam concorrência acirrada e um mercado de trabalho cada vez mais seletivo.

Ninguém sabe ao certo por quê, mas no jargão das redações "foca" é o jornalista em início de carreira, novato e ainda inexperiente. Aquele que escorrega de vez em quando, que se deslumbra com as primeiras pautas, que deixa passar alguns detalhes importantes, ingênuo ainda para as manhas da profissão. Hoje em dia, contudo, é cada vez mais difícil encontrar nas redações um foca no sentido tradicional, um recém-formado que não tenha pelo menos alguma experiência profissional com o jornalismo. Para satisfazer o anseio de botar logo a mão na massa, ou para aprender na prática, compensando eventuais deficiências da faculdade, ou ainda para pagar os estudos, os jovens jornalistas estão buscando emprego cada vez mais cedo, já nos primeiros anos de curso. Entretanto, um frila aqui e outro ali, a experiência como rádio-escuta ou o trabalho como "auxiliar de redação" não são necessariamente garantias de uma futura contratação ou do ingresso certo na carreira. O mercado é seletivo e exigente: quem não corre atrás, fica de fora. Vida de foca decididamente não é fácil.

Anualmente, as faculdades de comunicação social brasileiras colocam no mercado perto de 7500 novos profissionais, segundo o MEC (1996). Destes, cerca de 5000 são jornalistas, provenientes de 72 cursos de jornalismo. Só em São Paulo os recém-formados chegam, nas contas do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de São Paulo, por ano, a mais de 2000 – um número bastante alto em relação à oferta de vagas. De acordo com dados do Ministério do Trabalho, durante o ano de 1997 foram criados 206 postos de trabalho em jornalismo no estado, obviamente insuficientes para absorver a mão-de-obra. "Tem trabalho, sim, mas não para 2000, 3000 formandos", afirma o diretor do sindicato, Kepler Polamarçuk. "Não existe mercado para todos."

Kepler sabe bem do que está falando. Formado há 13 anos, enfrentou dificuldades para iniciar na carreira. "Penei pacas quando era foca", conta. "Saí da faculdade, fui procurar emprego e não achava." Acabou indo trabalhar com produção de cinema e de comerciais. Tempos depois, surgiu uma oportunidade para cobrir férias na TV Cultura e, de lá, ele foi para a editora Globo, onde tornou-se editor-assistente da revista Criativa, cargo do qual está afastado devido às funções do sindicato. "Acho que a tendência é os focas irem parar nas revistas, um segmento que está crescendo, ou nas assessorias de imprensa e assessorias de grandes empresas, setor que absorve mais o recém-formado."

Primeiras chances

A trajetória de Fabíola Malavazi Iório, de 22 anos, confirma a idéia. Formada em 1997 pelas Faculdades Integradas Alcântara Machado (FIAM), Fabíola trabalhou durante três anos no Banco Bandeirantes. Três meses antes de concluir o curso, por meio de uma amiga, ficou sabendo de uma vaga de estagiária na Gabinete de Comunicação, empresa que presta assessoria de imprensa, e decidiu arriscar. No começo de maio deste ano, pulou para o seu segundo emprego na área: foi contratada para trabalhar como assessora de imprensa na empresa que edita a revista Alimentos&Tecnologia. "Estou adorando, queria ter começado antes", diz. Apesar de estar se dando bem em assessoria, Fabíola pretende, no futuro, trabalhar em revista. "Ainda estou sentindo o cheiro da profissão."

Simone Rodrigues Joaquim, 22 anos, viveu uma situação parecida. Até meados de abril de 98, trabalhou como bancária. Agora, conseguiu emprego na assessoria de imprensa da Phillips Consumer, graças à indicação de uma amiga da Universidade São Judas Tadeu, por onde formou-se em 1996. Não esconde a satisfação. "Eu vivia mal-humorada quando trabalhava no banco, não me sentia bem", conta. "Pensava comigo: gosto tanto de jornalismo, mas não consigo nada!" Mandava currículos para várias redações mesmo sabendo que provavelmente não chegariam às mãos de quem deveriam. Durante a faculdade, suas únicas experiências profissionais na área foram trabalhos não remunerados numa rádio de bairro e num jornal comunitário. Contente com sua nova atividade, Simone quer aprender cada vez mais e deslanchar na carreira. "Meu negócio é TV e eu vou batalhar por isso", promete.

Em geral, o foca não é contratado logo de cara. Passa por um período de experiência na empresa e, se der certo, tem grandes chances de integrar o time da redação. Dados do Ministério do Trabalho, revelam que, em 97, somente 121 profissionais do Estado de São Paulo tiveram seu primeiro emprego com registro em carteira em jornalismo, o que representa 5,7% do total das admissões. Não significa, porém, que todos sejam recém-formados. A alta rotatividade do mercado pode ser comprovada pela taxa significativa de "reemprego", isto é, a readmissão de profissionais que estavam desempregados ou atuando sem carteira assinada (free-lancers), ou ainda mudando de trabalho: 72% das contratações. Na prática, isso significa que vagas existem, mas são preenchidas principalmente por quem já está no mercado. Sobram os que estão começando.

"Todo mundo entra na faculdade pensando: vou trabalhar num superveículo de comunicação! Depois percebe que não é bem assim, a maioria das pessoas consegue alguma coisa por indicação", diz Taciana dos Santos Bezerra, de 22 anos. Ela se formou em 97 pela FIAM e ainda não conseguiu emprego em jornalismo. Está há um ano trabalhando como operadora de telemarketing da New York Station. Teve sua única – e breve – experiência profissional no 3º ano de faculdade, quando trabalhou durante uma semana como rádio-escuta do Diário Popular. Não se adaptou. "Escolhi o jornalismo porque não tem rotina. Mas lá era rotina, a mesma coisa todos os dias." Taciana confessa ser um pouco acomodada e conta que, por enquanto, só tem mandado currículos pelo correio. Sabe que o mercado é concorrido, porém não pensa em desistir. "Saí da faculdade decepcionada por não ver luz no fim do túnel", afirma. "Mas não me matei de estudar quatro anos para pendurar o diploma na parede."

Bagagem básica

A falta de experiência de Taciana pode ser uma barreira para que ela consiga um emprego em jornalismo. O corre-corre das redações limita cada vez mais o contato dos focas com os jornalistas mais experientes. "Hoje sinto que, por causa de uma série de fatores, ficou mais difícil acompanhar o trabalho dos mais jovens passo a passo, orientando, dando dicas", afirma o editor do caderno Cidades do Estadão, Roberto Gazzi. "Por isso, é necessário chegar com o básico. Não dá para ter sempre alguém ao lado do repórter dizendo: invista na checagem, na apuração, melhore o texto..." As empresas acabam optando, então, por aqueles que possuem alguma experiência anterior na área ou pelos recém-formados que passaram por seus cursos de treinamento.

Garimpando talentos

Francisco Ornellas, jornalista responsável pelo Curso Intensivo de Jornalismo Aplicado promovido pelo Grupo Estado, afirma que existe uma espécie de norma: o jornalista em início de carreira, para entrar na empresa, precisa ter feito o curso. "É uma porta de acesso absolutamente leal", diz. Afinal, são jovens treinados pela própria casa, aprovados num processo de seleção que inclui prova de conhecimentos gerais e atualidades, texto jornalístico e entrevista. Em oito anos, segundo Ornellas, o curso já formou 240 profissionais, dos quais metade está trabalhando no Grupo Estado e outros tantos encontram-se em redações e empresas de comunicação de todo o País. "O que o curso faz é garimpar talentos", ressalta. São três meses voltados para os aspectos práticos da profissão. Os focas têm aulas pela manhã e, durante o resto dia, saem à rua para fazer reportagens ou acompanham as atividades da redação, tendo contato com as mais diversas editorias. Terminado o curso, passam a integrar o Banco de Talentos, colocado à disposição de empresas jornalísticas.

Nem todos os focas que passam pelo treinamento são contratados pelo Grupo Estado. "É impossível admitir 30 alunos", afirma Ornellas. Entretanto, vários deles recebem propostas para trabalhar na empresa. Aqueles que vão para o Estadão ficam, durante um período, no caderno Seu Bairro, suplemento diário que circula cada dia numa região da cidade, uma espécie de "laboratório" para os focas. A experiência permite que os jovens profissionais ganhem agilidade e aperfeiçoem texto e apuração e, mais tarde, pulem para outras editorias. Aluno do curso do ano passado, Maurício Moraes e Silva, 22 anos, está trabalhando como frila fixo, desde fins de março, no Seu Bairro que enfoca a região dos Jardins. Formado em 97 pela Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, garante que sua primeira experiência profissional está sendo bastante proveitosa. "Ninguém chega preparado para escrever tão rápido", diz. "A gente vai aprendendo a cumprir prazos e a se adaptar ao horário de fechamento." Os editores acompanham de perto o trabalho dos repórteres iniciantes, dando dicas do tipo "enxugue o texto", "apure mais", "evite os erros apontados no Manual"... O trabalho é árduo, mas Maurício gosta. "O caderno Seu Bairro não é uma camisa-de-força, lá deixam você experimentar um pouco."

Cursos como esse, do Estadão, vêm preencher uma lacuna deixada pela faculdade: a formação prática do estudante de jornalismo que, durante o curso, recebe apenas noções sobre as etapas da produção jornalística, sem qualquer contato mais próximo. Por isso, Ornellas chama o período que os jovens profissionais passam na empresa, recebendo o treinamento, de "residência jornalística".

Saber pensar

Para Eugênio Bucci, diretor de redação da revista Superinteressante, os cursos existem porque há uma cultura própria do mercado que os focas precisam conhecer e que não se aprende na faculdade. "O mercado não pode esperar que a universidade forme um profissional acabado", afirma. "O que se espera é um profissional que saiba pensar, porque as habilidades técnicas podem ser adquiridas depois."

Bucci é um dos profissionais que participam do Curso Abril de Jornalismo em Revistas, promovido anualmente pelo Grupo Abril, única empresa na área de revistas a oferecer um programa desse tipo. O curso, no entanto, não se destina somente aos focas de reportagem, mas também a designers e a fotógrafos. Desde 1984, já formou mais de 760 jovens, nas áreas de texto, arte e foto, dos quais boa parte trabalha em publicações da Abril. Vários alunos do último curso (em sua 15ª edição) já estão empregados – como Julio Wiziack, de 24 anos, formado pela ECA em 97 e contratado pela Veja – ou fazem frilas. São quatro semanas de workshops, palestras e a produção de uma revista. "O Curso Abril é uma porta de entrada para o foca, mas não uma via de mão única", explica Bucci. "Não é só ensinar aos jovens como fazer revista, mas também perguntar a eles como se poderia fazer melhor. É o que traz sentido para os profissionais envolvidos."

Por que jornalismo

Um texto sobre o tema "Quem sou eu e por que escolhi o jornalismo como profissão", acompanhado de currículo: a inscrição para o Curso Abril obriga o recém-formado a pensar nos motivos da escolha da carreira. A princípio, poucos sabem, com segurança, por que escolheram jornalismo. Depois de quatro ou cinco anos de curso, achando válida a passagem pela faculdade ou não, alguns ainda se perguntam se estão no rumo certo. De um lado, o encanto da profissão, a falta de rotina, a possibilidade de estar sempre em contato com a notícia, com o novo, com o agora. De outro, o difícil ingresso no mercado de trabalho, a insensível linha de produção dos grandes veículos, o estresse, os salários que nem sempre compensam. Não importa. Diploma na mão, a cabeça fervilhando de idéias e com um desejo enorme de trabalhar, todos querem seu lugar ao sol.

Eugênio Bucci aposta muito na contribuição dos jovens e, no encerramento do curso sempre diz aos alunos: "Vocês passaram essas quatro semanas ouvindo que têm talento. A partir de agora, vai haver muita gente querendo provar o contrário, dizendo que vocês não têm talento." De acordo com ele, os focas não devem se deixar intimidar. "A indústria é impiedosa, vai tentar mostrar que sua idéia não vale nada", opina. "Com as exigências do mercado e a vida corrida, as pessoas deixam de prestar atenção nos talentos."

No vídeo

Encontrar talentos e possibilitar que sejam lapidados também são os objetivos do Curso de Treinamento em Televisão da TV Cultura. Segundo o criador do programa, o ex-diretor de jornalismo da emissora, Marco Nascimento, por mais que as faculdades tenham se empenhado em montar modernos laboratórios de jornalismo eletrônico, continua havendo uma grande distância entre o mercado de trabalho e a realidade dos cursos de comunicação. "O recém-formado chega à TV completamente despreparado, cru. Não teve nenhuma preparação anterior, só experiências na faculdade", avalia. Por isso, o curso que a TV Cultura promove é essencialmente prático. "Os alunos têm oportunidade de passar por todas as etapas de produção da reportagem."

Os 15 focas que participam do programa anualmente são selecionados a partir de uma prova com questões dissertativas sobre atualidades, entrevistas pessoais e testes de câmera. Durante pouco mais de dois meses, os jovens jornalistas têm aulas teóricas e exercícios de observação e saem às ruas para fazer e produzir matérias. "É um curso intensivo, mas sem garantia de contratação", ressalta Nascimento. No curso do ano passado, os alunos fizeram pela primeira vez uma transmissão ao vivo: a cobertura completa dos vestibulares no mês de dezembro. "O pessoal da redação e os técnicos mais tarimbados diziam: ‘você é louco’. Eu quis correr o risco." Apesar do receio dos profissionais, Nascimento assegura que os focas deram um show. De acordo com ele, apesar de não garantir um futuro emprego na emissora, o curso funciona como um passaporte. Quando há vagas na cobertura de férias ou então possibilidades de contratação, os ex-alunos do curso são logo cogitados. Da turma de 97, dois recém-formados estão na TV Cultura, uma moça foi para a TV Globo e outros dois estão na Inglaterra.

Um dos focas que deram certo na emissora paulista é Alan Silva Severiano, 21 anos, formado em 97 pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Ainda na faculdade, Alan trabalhou como repórter, durante um ano e oito meses, da TV Universitária, emissora de Natal, RN, vinculada à Rede Educativa. Veio para São Paulo por causa do curso. "Sempre fui muito perseverante." Mesmo encontrando algumas dificuldades no começo de sua estada na capital paulista, ele se adaptou rapidamente. Depois do curso, foi chamado pela TV Cultura para cobrir férias na vídeo-reportagem por um mês. Após esse período, recebeu proposta da EPTV, afiliada da TV Globo em Ribeirão Preto, também para cobrir férias – só que na reportagem – durante três semanas. Ainda estava na EPTV quando o chefe de reportagem da TV Cultura convidou-o para uma vaga, com possibilidade de contratação, na área de apuração. "Não sabia o que fazer", lembra. "Mas minha praia era mais reportagem." Não aceitou. Entretanto, três dias depois, Alan recebeu outro convite: desta vez para ser repórter. Aceitou na hora. No começo de abril deste ano foi contratado pela TV Cultura. Trabalha no jornal 60 Minutos e, eventualmente, faz também matérias para o Jornal da Cultura. Pauleira, mas Alan não foge dos desafios. "Estou longe de ser um profissional acabado", afirma. "Tenho muito ainda o que aprender."

Curso aberto

Em geral, os cursos de jornalismo aplicado são dirigidos aos recém-formados ou então aos formados de até dois anos antes. A exceção fica por conta do curso promovido pela empresa Folha da Manhã, que é aberto a estudantes de jornalismo, focas, jornalistas em geral e, inclusive, a profissionais de outras áreas. "A Folha é contra a obrigatoriedade do diploma", explica Ana Estela de Sousa Pinto, responsável pelo Curso Trainee da Folha de S. Paulo. A empresa já enfrentou diversos problemas por contratar não-jornalistas para funções específicas da profissão. Segundo Ana Estela, garantir reserva de mercado não melhora a qualidade do jornalismo. Entre os alunos do último curso, por exemplo, há um estudante de 18 anos e um rapaz formado em economia com pós-graduação em administração. "O bom jornalismo é feito com pessoas criativas, diferentes, jovens, com sólida formação específica."

A própria Ana Estela é um exemplo de não-jornalista que virou jornalista. Formada em agronomia, participou da primeira turma de trainees da Folha. De acordo com ela, as seleções até agora têm revelado ótimos não-jornalistas, que possuem em geral uma formação cultural mais apurada. "O que eu quero são os melhores, as pessoas mais espertas, mais talentosas e responsáveis para trazer para a Folha", diz. "Então, não tenho por que restringir." Os focas que se cuidem: a concorrência torna-se cada vez mais acirrada.

De 1988 a 98, já foram realizados 26 programas de treinamento. No último, foram 732 inscrições dos quais saíram 20 selecionados, divididos em duas turmas. O processo de seleção começa com uma ficha, uma espécie de currículo complementado com informações sobre objetivos profissionais e formação cultural. A partir dessas fichas, são selecionados 150 candidatos, que fazem um teste de conhecimentos gerais. Os 40 melhores assistem a um ciclo de palestras e participam de dinâmicas de grupo. Destes, saem os dez que farão o curso. Durante oito semanas, os alunos têm aulas, encontros com profissionais da empresa, passagens pela redação e fazem reportagens. "O programa tem que ter um ritmo parecido com o jornal – sem exaurir, porque a vida de jornalista já é estressante", diz Ana Estela.

Orientados por um jornalista da casa, os trainees editam um caderno temático, sobre o qual possuem responsabilidade total. O aproveitamento tende a ser grande: todos os dez alunos da primeira turma deste ano já estão trabalhando no jornal.

Questão de preparo

A abertura que a empresa Folha da Manhã dá aos não-jornalistas reativa a discussão sobre a qualidade das escolas de comunicação e os cursos de jornalismo. "Em geral, os recém-formados são muito inteligentes, mas mal preparados", diz Ana Estela. "Falta preparo técnico e cultural, que a universidade deveria dar." Os laboratórios de jornalismo impresso e eletrônico, de modo geral, são deficientes e, muitas vezes, o estudante não tem oportunidade de cursar disciplinas extra-curriculares que complementem sua formação.

Na USP, por exemplo, o currículo de jornalismo prevê que os alunos façam disciplinas em outras unidades de acordo com a área de interesse: economia na Faculdade de Economia e Administração, política na de Ciências Sociais e assim por diante. "As faculdades não estão preparando como deveriam, precisam ser mais exigentes", afirma o jornalista Kepler Polamarçuk, diretor do sindicato paulista. Segundo ele, como acontece com outros cursos, também surgem inúmeras faculdades de jornalismo "de fim-de-semana". "Muitos saem bacharéis em comunicação, o que não significa que estejam preparados para ser jornalistas."

Este ano, os cursos de jornalismo de todo o país passarão pelo crivo do Ministério da Educação e do Desporto (MEC). O Exame Nacional de Cursos, conhecido como Provão, vai avaliar pela primeira vez como anda o ensino de jornalismo em todas as faculdades de comunicação brasileiras. Segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP), 4861 graduandos se inscreveram para fazer a prova, que avaliará capacidade de elaboração de textos para diferentes meios de comunicação, planejamento de cobertura jornalística e solução de um problema ético. Os focas terão oportunidade de mostrar o que sabem e também de opinar sobre o curso que fizeram.

Estágio polêmico

Gostando ou não do curso, os estudantes tentam se garantir buscando cedo alguma experiência na área. O jornalista Marco Nascimento, professor da Pontifícia Universidade Católica (PUC), observa que cerca de 85% dos alunos que estão no 4º ano já trabalham. "Os estudantes procuram resolver o problema do estágio da forma mais simples: indo trabalhar." Na sua opinião, as empresas de comunicação e o sindicato dos jornalistas precisam rever a legislação que proíbe o estágio. "É uma legislação antiga, velha, que não é cumprida", afirma. "As emissoras de TV, por exemplo, ignoram solenemente essa proibição."

Algumas empresas oferecem oportunidades de estágio para os estudantes de jornalismo que estão nos últimos anos do curso. A Rede Globo é uma delas. Em 1997 implantou o programa "Estagiar", que prevê estágios orientados em diversas áreas da empresa no Rio de Janeiro e em São Paulo. Diversos estudantes estão participando e, dos que já se formaram, alguns foram contratados. O estágio também é comum em rádios como a Eldorado AM e a Bandeirantes AM. Os aspirantes a jornalista geralmente começam como rádio-escuta ou como auxiliar de produção e pouco a pouco vão conquistando espaço dentro da emissora.

O Jornal da Tarde, por sua vez, abre espaço para que estudantes passem três meses acompanhando o trabalho de produção e edição do jornal e, eventualmente, façam alguma matéria. "Na verdade, não temos política de estágios nem verba específica para isso", diz o editor-chefe Celso Kinjô. Mas o não fecha as portas para os estudantes que vão atrás de experiência. De acordo com Kinjô, o recém-formado encontra muita dificuldade para se colocar no mercado sem ter um contato anterior com a prática. "Uma experiência dessas, de conhecer a redação, é importante para o futuro profissional ganhar ambientação e segurança para exercer o trabalho." Mesmo com os jornais experimentais, o ensino da prática nas faculdades é falho, pois o vínculo é meramente teórico. "A regulamentação da profissão é falha", argumenta Kinjô. "A exigência do diploma cria uma reserva de mercado para gente que não é qualificada como deveria, porque o estudante não tem idéia de como fazer jornal."

Pode ser desesperador para o foca imaginar que disputa um lugar no mercado com estudantes e também com jornalistas mais experientes. Os números mostram que a maioria nas redações paulistanas é formada pelos trintões. Dados do Relatório Anual de Informações Sociais (RAIS), de 1993, revelam que o grosso dos jornalistas na ativa tem entre 18 e 39 anos, correspondendo a 70,5% do total de profissionais. Distribuem-se da seguinte maneira: 9, 8% do total têm entre 18 e 24 anos; 21,6% estão na faixa dos 25 aos 29 anos e 40,1% têm entre 30 e 39 anos.

As esperanças

A situação dos focas no mercado de trabalho é difícil, mas não tão desesperadora quanto pode parecer. Pelo menos é o que demonstra uma pesquisa realizada pelo Núcleo de Pesquisa do Mercado de Trabalho (NUPEM), sob a coordenação da professora Maria Imacollata Lopes, da ECA-USP. Concluída em 1995, a pesquisa ouviu 3431 egressos de faculdades de comunicação social de todo o país entre 1989 e 93, abrangendo recém-formados de seis habilitações: jornalismo, rádio e TV, relações públicas, publicidade e propaganda, cinema e editoração.

Dos 1374 jovens formados em jornalismo, 26% encontravam-se em "desvio ocupacional", ou seja, tinham um emprego fora da área de comunicação social, e 74% estavam trabalhando na área com uma das habilitações consideradas pela pesquisa. Desses últimos, 80% trabalhavam em jornalismo na época. Os números relativos à continuidade dos estudos também são positivos. A grande maioria não deixou de estudar. Dos formados em jornalismo, 39% fizeram outro curso de graduação, 38% procuraram a chamada educação continuada, ou seja, cursos complementares de especialização, extensão ou atualização, e 9% fizeram pós-graduação.

Carreira acadêmica

Não são muitos os focas que optam por prosseguir na vida acadêmica após o término do curso. Contudo, a pós-graduação pode ser o caminho para o jovem jornalista que deseja entrar no mercado com uma formação bastante sólida e, de uma certa maneira, mais maduro para encarar os desafios que a profissão apresenta. "Se o curso puder me proporcionar a independência intelectual que tanto procuro, então terá sido importante não apenas para a minha carreira como jornalista, mas para a minha vida", afirma Fabiana Cristina Komesu, 22 anos, formada em 97 pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) e aluna do mestrado em Lingüística na Unicamp.

A opção pela pós foi segura e consciente. A experiência profissional ainda na faculdade deu a Fabiana mostras do que ela iria enfrentar quando fosse foca. Ensinou inglês numa escola em Bauru durante um ano, fez assessoria de imprensa para o Departamento de Computação da Unesp, estagiou no Jornal de Limeira e também na TV Jornal de Limeira. No final do ano passado, foi para a Agência Estado cobrir férias no AgroCast, serviço que cobre o mercado de agrobusiness, onde ficou por três meses. Apesar de terem sido experiências compensatórias, ela sabe que nem sempre será assim. "Eu ficava muito angustiada em pensar em escrever o que eu não acreditava, trabalhar com pessoas que eu não admirava; talvez por isso tenha prestado a pós-graduação."

Outra experiência interessante para Fabiana foi o Curso Abril. Graças a ele, recebeu três propostas da editora: do Almanaque Abril, da Superinteressante e da revista Claudia. Com o coração apertado, reafirmou sua escolha pelo mestrado e recusou os convites. Não se arrepende. "Penso, sim, em trabalhar em jornalismo", diz. "Mas estou buscando no mestrado em Lingüística uma excelência que não é técnica." Para o futuro, Fabiana espera conseguir uma bolsa de financiamento para a pesquisa que vai desenvolver e procura tornar-se, cada vez mais, uma boa ouvinte, sempre atenta às histórias que todos têm para contar. "Os melhores jornalistas que conheço são bons leitores, pesquisadores curiosos e criteriosos."

A pós-graduação lato sensu é um bom caminho para os focas que querem continuar trabalhando mas não pretendem abandonar a universidade. Dos 71 matriculados no curso de especialização em Teoria da Comunicação Social oferecido pela Cásper Líbero, 15 são jornalistas formados entre 1996 e 97. Guilherme Graziano Neto, 23 anos, é um deles. Resolveu cursar pós a fim de abrir caminho para que, no futuro, possa vir a dar aula em universidade. Graduado em 97 pela Universidade São Judas Tadeu, Guilherme começou a trabalhar no final do 2º ano do curso na TVA. "É um trabalho muito gostoso, fui me apaixonando." Começou como estagiário de produção, fazendo o "servicinho básico": de tirar xerox a decupar fita. Agora, trabalha no programa "Futebol no Mundo" da ESPN Brasil. "Logo que entrei na TV não sabia direito como funcionava, nem conhecia as gírias. Na verdade, não tinha idéia de como lidar com as coisas", conta. "Mas meti a cara e fui em frente, era uma oportunidade única." Chegou a cursar, paralelamente ao jornalismo, um ano de história na USP e deu aula dessa disciplina para turmas do 2º grau da rede pública. Se possível, no futuro Guilherme pretende conciliar carreira acadêmica e trabalho em reportagem. "O segredo é querer e batalhar. Tem que ralar mesmo, porque nada cai do céu."

Tempos bicudos

Ralar e encarar, no começo, um salário muitas vezes desestimulante. O piso salarial na cidade de São Paulo Não anima muito: em jornais e revistas, gira em torno de 760 reais; em rádio e TV, 590 reais e nas assessorias de imprensa chega a 1000 reais. Mas o maior problema nem sempre é o salário inicial. Rotina, fazer o que não gosta, ambiente de trabalho ruim, um certo desprezo por parte dos experientes são reclamações comuns. Geralmente o primeiro emprego como jornalista não corresponde às expectativas e torna-se frustrante.

Foca que é foca precisa saber lidar bem com as incertezas da profissão. Eduardo Gracioli Teixeira, de 23 anos, formado pela ECA em 97, fez o último Curso Abril de Jornalismo em Revistas e foi chamado para um "estágio" de três meses no Guia do Estudante. Apesar de o trabalho no Guia estar entrando em seu quarto mês, Eduardo não sabe que rumo seguirá quando o estágio terminar. "A sensação é de que você está caminhando, mas não sabe o próximo passo." Quando se formou, trabalhava numa assessoria de imprensa e tinha possibilidade de ser contratado. Optou por se afastar e fazer o Curso Abril, para encontrar novas possibilidades profissionais. Agora, vive a insegurança de quem hoje está trabalhando, porém amanhã... "Não quero um emprego como o de bancário, que é para a vida inteira. Só queria um trabalho que não tivesse prazo pré-determinado para acabar."

Vida de foca realmente não é fácil. Além dos requisitos tradicionais – curiosidade, vontade de contar histórias, senso crítico, criatividade... –, é preciso aprender a engolir sapo, a domar a rebeldia, a ser humilde e reconhecer os erros, a saber ouvir e enxergar no editor ou no chefe alguém com, pelo menos, uma qualidade: experiência. Porém, antes de tudo, o foca deve acreditar no próprio valor. Todo jovem jornalista traz consigo uma grande contribuição – o idealismo, que o jornalista Roberto Gazzi, 19 anos de profissão, denomina de "chama". "Geralmente os focas são pessoas idealistas, que ainda têm vontade de mudar o mundo. Não que os mais experientes não tenham, mas nos jovens essa vontade é mais latente." Esse idealismo, segundo ele, é essencial para a equipe de jornalistas. "Os mais jovens estão sempre trazendo novidades", afirma. "Às vezes, vêm com idéias inexeqüíveis que, se trabalhadas, resultam em pautas que dão grandes matérias." Para Gazzi, a convivência entre focas e jornalistas com anos de profissão é extremamente proveitosa. "Uns estão voltados para ver o mundo de uma forma e outros para enxergá-lo de uma outra maneira. O embate que surge dessa mistura é muito produtivo."

Jamais deixar de questionar, essa é uma das lições que Eugênio Bucci, 15 anos de jornalismo, carrega e transmite aos focas. "A coisa mais rica que o jovem traz consigo são suas perguntas. Digo sempre que o foca deve duvidar das respostas e nunca desistir das perguntas. Daqui a 15 anos, ele ainda deve lembrar-se de suas perguntas, porque nelas estão os sonhos", afirma. "Por isso acredito em foca que segue o coração." E seguir o coração, ressalta Bucci, não é render-se ao comodismo, ao conforto, ou ao medo. "Significa arriscar."

Os caminhos do currículo

Da gaveta para o arquivo, e daí para o cesto

Ansioso por arrumar emprego mas sem saber por onde começar, o foca seleciona endereços de revistas, jornais, emissoras de rádio e televisão e agências de assessoria de imprensa que lhe interessam. Prepara cuidadosamente seu currículo e o envia para o departamento de Recursos Humanos da empresa. A partir desse momento, é cruzar os dedos e torcer para que seu currículo chame atenção e daí apareça alguma oportunidade.

Em geral, os currículos recebidos pelo setor de Recursos Humanos são arquivados. Na Editora Três, por exemplo, ficam apenas alguns meses e, não havendo solicitação por parte das redações, são despachados para uma agência de empregos. Na Símbolo, ficam no arquivo por um ano. Quando surge alguma vaga de estágio, a redação pede ao RH alguns currículos para análise. A analista de recursos humanos da editora, Valda Damazio, afirma que não se lembra de nenhum caso de foca contratado via currículo. "No jornalismo, funciona mais com a apresentação mesmo." A Editora Globo também não costuma selecionar os currículos de jornalistas por meio do RH. Os currículos devem ser encaminhados direto para as redações de interesse, onde serão avaliados pelo diretor de redação ou pelo redator-chefe.

A analista de recrutamento e seleção da Folha de S.Paulo, Marta Rosalen de Almeida, afirma que o foca terá chances mais concretas se enviar seu currículo em resposta a algum anúncio de vagas ou à abertura de concurso. Os currículos são encaminhados para a secretaria de redação da Folha, que se utiliza deles para o preenchimento das vagas existentes. Feita a triagem, os candidatos que possuem o perfil da empresa são convocados para o processo seletivo que inclui teste escrito e entrevista. "O currículo que chama a atenção deve ser elaborado de forma clara e objetiva", aconselha Marta. Dados pessoais, endereço completo, telefone, objetivo profissional definido, histórico escolar, experiência profissional, cursos, especializações, línguas e viagens são tópicos necessários. "É importante lembrar que os currículos não são reaproveitados, logo é preciso ficar atento aos concursos."

Mandar inúmeros currículos e não ter retorno algum. Fernanda Jugend, de 22 anos, conhece bem essa situação. Depois de algumas experiências profissionais durante a faculdade – informativo da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES), revista "O Hebreu", voltada para a comunidade judaica, e assessoria de imprensa da Federação Israelita –, quando se formou, ano passado, resolveu procurar emprego. Respondia a anúncios de jornal e nada. Até que soube, no começo desse ano, de uma vaga para cobertura de férias na Folha da Tarde. Mandou seu currículo, foi selecionada, passou por um teste de conhecimentos gerais e texto e foi chamada para entrevista. O ambiente, a situação e as perguntas feitas pelos três avaliadores deixaram-na nervosa e ela não conseguiu sair-se bem. "Essa ansiedade faz mal para a gente", diz. "Ficar esperando resposta de teste e não saber os critérios..." Bateu o desespero e Fernanda resolveu colocar seu currículo na internet por meio da Central Nacional de Empregos, que mantém um cadastro de profissionais na rede. Mas foi correndo atrás de uma chance que ela conseguiu seu atual trabalho: depois de muito tentar, tornou-se repórter do Jornal de Pinheiros.

Decálogo do foca

Dicas para quem está começando

- Aperfeiçoe seus textos.

- Leve seu currículo pessoalmente ao editor. Jornalista não tem muito tempo, mas a conversa, ainda que breve e objetiva, influencia muito.

- Aceite toda oportunidade de praticar (frilas, substituições de férias, cursos de focas).

- Proponha pautas interessantes e viáveis.

- Continue a estudar, fazendo cursos de especialização, outra faculdade ou pós-graduação;

- Invista no domínio de línguas, principalmente inglês;

- Não espere nada cair do céu: o foca precisa ser insistente sem ser chato.

- Procure domar a rebeldia e esteja sempre disponível.

- Mantenha-se bem-informado e participe de seminários e congressos relacionados à comunicação.

Publicado na Revista Imprensa na edição de julho de 1998

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www.paremasmaquinas.com.br/foca011.htm
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