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02/12/2003
Santa Helena: A marretadas, novo toma espaço do velho
VICTOR RAMOS VIRGILIO ABRANCHES
da Equipe de Trainees
- 1591 Erguida pelos índios a primeira igreja da cidade, a "velha Sé"
- 1745 Demolido, prédio antigo cede espaço para a primeira catedral
- 1911 Começam as obras da Sé atual, inaugurada 43 anos mais tarde
Na tarde de 23 de outubro de 1971, o operário paulistano perdeu a referência; a arte proletária, o teto; a cidade, simbolicamente, uma vocação econômica. Depois de 117 dias de marretadas, o Palacete Santa Helena virou pó.
Inaugurado 46 anos antes, o imponente prédio era o símbolo de uma São Paulo que deixava de ser colonial e passava por um processo de industrialização.
Marco do processo de verticalização urbana, o Santa Helena foi durante anos a principal silhueta do centro --a despeito da famosa catedral na mesma praça da Sé.
O conjunto, com cinco blocos e sete andares, comportava duas sobrelojas, dois cinemas, quatro lojas e 276 salas multiuso. De arquitetura eclética com influência do art déco, sua decoração interna era refinada, com mármores.
Apesar de ter sido construído pela e para a elite paulistana, a localização central o transformou no ponto de encontro dos operários, que vinham dos bairros mais pobres, como o Brás e a Mooca.
Ao lado dos finos salões, cafés, cinemas e do teatro, eles fundaram as sedes de seus sindicatos.
Assim, a Sé, já na virada dos anos 30, tinha se tornado um mercado do emprego. Quem quisesse um marceneiro ou um metalúrgico sabia onde procurar.
A partir de 1935, a sala 231 foi convertida em ateliê, e o palacete abrigou um dos movimentos mais significativos da história das artes plásticas de São Paulo.
A iniciativa partiu do filho de espanhóis Francisco Rebolo Gonsales, ex-jogador de futebol e pintor de paredes, que viria a se tornar um dos mais reconhecidos artistas do Brasil (é dele o desenho do atual distintivo do Corinthians).
A ele se uniu, entre outros oito pioneiros, o também pintor de paredes Alfredo Volpi. Surgia o Grupo Santa Helena. Os "artistas proletários", nas palavras do escritor modernista Mário de Andrade. Da janela, eles avistavam a dinâmica do centro e encontravam inspiração para retratar em suas telas a vida operária.
"A novidade era a aproximação com uma linguagem da modernidade, com um olhar para o social", conta Lisbeth, filha de Rebolo. O grupo, diz, tinha um relação quase umbilical com o edifício.
O cordão, no entanto, foi cortado à medida em que São Paulo confirmou sua vocação de pólo de serviços e exilou as fábricas para cidades vizinhas --longe dos problemas urbanos do centro e favorecido por benefícios fiscais, o setor industrial rumava ao ABC.
O Santa Helena ruiu pelo abandono e cedeu ante o "progresso". Foi destruído para que se construísse a estação central do Metrô.
Hoje, as cerca de 640 mil pessoas que passam diariamente pela estação não encontram nenhum vestígio do antigo palacete.
O número de paulistanos à procura de emprego supera os 2 milhões, menos do que o 1,5 milhão de vagas que uma indústria zumbi ainda oferece na cidade. Mas a praça que um dia oferecia mão-de-obra parece mais vazia.
"Foi uma infelicidade. Não só seria possível manter o Santa Helena, como resgatar seu papel", afirma Wilson Ribeiro dos Santos Júnior, do Conselho de Preservação do Patrimônio Artístico, Histórico e Cultural do município.
Já para Sérgio Salvadori, atual diretor de engenharia do Metrô, a demolição foi inevitável. "Uma estação do tamanho da da Sé não caberia ali." E completa: "Naquela época não havia cultura de preservação. Era o sai da frente que queremos construir outro país".
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