Folha Online Aqui jaz São Paulo
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02/12/2003

Caaguaçu: Verde fica apenas no endereço

RAFAEL ALVES PEREIRA
da Equipe de Trainees

- 1891 Abertura da Paulista põe fim à "mata grande"
- 1909 Linha de bonde até o largo de Pinheiros abre caminho para o crescimento do bairro
- 1954 É criado o parque Ibirapuera, "árvore podre' em tupi

Uma mata densa e bastante úmida. A escalada alcançava inclinação de até 45 graus em alguns trechos. Emergindo do meio da floresta, surgiam pinheiros que, pela altura, se destacavam das outras árvores da vegetação tropical.

Essa era a paisagem que o viajante do século 18 via ao cruzar alguns trechos da montanha do maciço central --cujo topo hoje é ocupado pela avenida Paulista--, que alternava áreas de floresta fechada e descampados.

Quem saía da cidade de São Paulo em direção à remota Aldeia dos Pinheiros tinha pela frente um cenário distinto. A trilha começava na Sé, cruzava uma área de campo pelo caminho dos Pinheiros (atual rua da Consolação), desafiava a montanha e descia em direção ao Jurubatuba (hoje o canalizado rio Pinheiros).

Na descida, a vista era dominada por bosques de araucárias, tão particulares e marcantes que acabaram dando nome ao bairro.

"Os índios chamavam a região do espigão central de Caaguaçu, que significa mata grande. As araucárias surgiam isoladamente na mata e varavam o céu", explica o geógrafo e pesquisador da USP Aziz Nacib Ab'Saber.

A área por onde hoje se espalha a mancha urbana da cidade de São Paulo, assim como outras partes do Estado, faz parte do território natural de distribuição das araucárias, que começa nos campos da Argentina, atravessa os Estados da região Sul do Brasil e chega a São Paulo.

Se essas árvores, que alcançavam 50 metros de altura, eram comuns na paisagem paulistana, hoje praticamente desapareceram. "Posso dizer que existem apenas alguns espécimes isolados de araucárias emergentes em pequenas áreas da mata atlântica preservadas na região de Parelheiros e no Campo Limpo", afirma o biólogo Ricardo Garcia, do Herbário Municipal de São Paulo.

Quando a avenida Paulista foi construída, no final do século 19, os campos e os adensamentos de mata cederam lugar a casarões da burguesia industrial e cafeeira.

As ruas que surgiram no local eram arborizadas, mas sob um novo modelo de paisagismo, inspirado nos bulevares franceses. Foram usadas espécies que não eram nativas do Brasil, como plátanos e magnólias.

Ainda hoje, árvores comuns nas ruas da cidade, como a tipuana e alguns tipos de figueiras, provêm de lugares como Argentina, Malásia e Austrália.

"Acredito que as araucárias de Pinheiros permaneceram por mais tempo, pois a Paulista foi construída antes do crescimento em direção ao bairro", deduz Murillo Marx, diretor do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP.

Até a primeira década do século passado, Pinheiros era pouco habitado. O desenvolvimento só veio com a inauguração, em 1909, da linha de bonde que cruzava a rua Teodoro Sampaio.

"Minha mãe contava histórias de quando ela era criança e morava na rua da Consolação. Às vezes passavam pela rua cavaleiros vindos do que eles chamavam de região dos Pinheiros. Era uma área rural. Agora, das araucárias originais, só sobrou o nome", conta Maria Lúcia Passos, historiadora do Departamento do Patrimônio Histórico de São Paulo.

Para manter e preservar os parques e áreas verdes que ainda restam na cidade, a Secretaria Municipal do Meio Ambiente deve gastar este ano R$ 10 milhões. A prefeitura se preocupa agora em implementar novas APAs (Áreas de Proteção Ambiental).

Além da APA de Capivari-Monos, já existente na zona sul, está prevista a criação de mais uma na região e outra na zona leste. Há também projetos para a construção de três novos parques municipais até o final de 2004.

Preservar a vegetação urbana é um problema antigo. A partir dos anos 30, por toda a capital áreas verdes deram lugar a loteamentos e avenidas, como a Bosque da Saúde. Construída sobre um parque de vegetação original da mata atlântica, mantém verde só no nome, após loteamento em 1925.

Esse processo se acentuou com o rápido crescimento da cidade. Em menos de um século, São Paulo trocou parques e áreas verdes por asfalto e concreto de uma maneira tão brutal que nomes como o do bairro de Pinheiros não passam hoje de simples endereços.


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