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Educação
24/06/2005

Íntegra de entrevista: Jorge Werthein

Jorge Werthein, 63, argentino, representante da Unesco no Brasil desde 1996.

Doutor em educação pela Universidade de Stanford. Estudou em escola pública na Argentina. Seus filhos estudaram em escolas privadas, em países diversos. Publicou, em português:

- "Investimentos em Educação, Ciência e Tecnologia: o que pensam os economistas" (2004)

- "Fundamentos da Nova Educação" (2000)

- "Educação, Trabalho e Desemprego: novos tempos, novas perspectivas" (1999)

Quais os maiores problemas no ensino público brasileiro hoje?

O problema fundamental é uma falta de qualidade do ensino público básico brasileiro. Ante essa falta de qualidade, que é um problema histórico, que tem mais que décadas, você enfrenta uma situação muito grave, porque a educação que estão recebendo as crianças e os jovens na escola pública no Brasil é absolutamente insuficiente, de baixa qualidade. Não se ensina bem e não se aprende bem.

É insuficiente em que sentido, de formar um cidadão, de formar um profissional, do quê?

De que é suficiente porque você não consegue transmitir um conhecimento pelo que é a grade curricular de que o conhecimento seja possuído pelos alunos, isso é o que significa ter baixa qualidade de ensino. Então você tem alunos que não conseguem aprender a ler, não conseguem aprender as operações básicas de matemática. E um aluno que não consegue aprender, incluindo a quarta e quinta série, a ler e a fazer as operações básicas de matemática é um aluno que não consegue completar seu processo de cidadão, porque você não pode ser cidadão pleno em uma democracia a não ser que você tenha a possibilidade de adquirir conhecimento e fazer uso desse conhecimento.

Então, o governo deveria concentrar esforços no ensino básico mesmo, o mais fundamental?

O sistema educacional brasileiro é um sistema que tem uma matrícula expressiva no ensino fundamental e tem uma matrícula muito baixa no ensino médio, que são os que constituem o ensino médio. E nessa matrícula, que quantitativamente no ensino fundamental é importante, aproximadamente 96% dos meninos e meninas em idade do ensino fundamental se matriculam, ainda que depois comecem a abandonar, eles não conseguem aprender bem na escola pública brasileira, e no ensino médio não conseguem aprender bem, porque você não tem nem professores capacitados e treinados para poder transmitir esse conhecimento aos jovens no ensino médio brasileiro. Então, o que o Brasil desesperadamente precisa é melhorar significativamente o nível educacional. Como se consegue isso? Basicamente, fundamentalmente, no mundo, não só no Brasil, se consegue isso pela figura do professor. A não ser que você tenha professores devidamente formados e capacitados de forma sistemática, você não vai ter como melhorar a qualidade da educação no Brasil. Os esforços têm que se concentrar no agente educativo mais importante no processo educativo, que é o professor. Isso, hoje, não está acontecendo.

O problema é que não há uma boa capacitação dos professores? Não é, por exemplo, o salário dos professores?

Claro que é, claro que também é.

O que é que falta mais? Se o professor recebe uma boa capacitação, e por isso recebe uma oferta de emprego na iniciativa privada, ele vai aceitar, porque ganha pouco no ensino público. Então, o que falta realmente é professor capacitado ou professor capacitado que aceite receber pouco?

Faltam três coisas, e sua pergunta é corretíssima. Primeiro, o que falta é que alunos de todos os setores sociais, A, B, C, D, tenham vontade de formar-se para ser professor. Ou seja, para que o que você bem acaba de dizer não aconteça, o que significa o que você falou, dando um passo para trás? Significa que, antes de começarem a se formar como professores, muitos jovens decidem não ser professores e se formar em outras especialidades, e seguir outras carreiras. E por quê? Porque sabem que uma das carreiras mais mal pagas é a de professores. Então, eles não querem ser professores, porque querem aspirar a salários mais altos. Então, temos três problemas. Primeiro: não temos suficientes jovens que, quando terminam o ensino médio, vindos de diferentes setores sociais da população, queiram ser professores. Segundo: os professores não são nem bem pagos nem socialmente reconhecidos como importantes. Claro, se fossem socialmente reconhecidos como importantes seriam bem pagos. Se você considera que o professor é uma figura importante para a melhoria da educação do Brasil, você vai querer pagar-lhe bem, para ter muito bom professor. Se você prefere pagar muito bem, para ter as melhores pessoas possíveis que exercem a função de professor. Terceiro: você precisa, a esses que querem ser professores, capacitá-los, formá-los em universidades que respondem às necessidades que o país tem dessa educação de qualidade que precisamos ter no Brasil. Além disso, você tem muitos professores que estão em exercício, já formados, que precisam ser capacitados. A capacitação é um processo contínuo, sistemático, que nunca acaba. E muitos professores já formados, ou não formados, precisam ser capacitados para poder ensinar melhor em uma escola que queira ter uma educação de qualidade. Isso é o que está faltando. Isso é o mais importante. Há outras coisas que são importantes na educação: uma escola agradável é super importante, uma escola sem violência é super importante, uma escola com laboratórios é importante. Mas nada é mais importante que um professor devidamente formado e capacitado para fazer a diferença.

Você identifica esses pontos também como problemas? Faltam laboratórias, sobra violência, faltam escolas agradáveis?

Claro. Você não tem educação de qualidade por tudo o que falamos de professor, e também porque há indicadores de violência física e simbólica nas escolas de tal magnitude que impede que o professor tenha vontade de ensinar ou de ir à escola, e que impede que o aluno tenha a possibilidade de aprender ou de ir à escola, porque o clima de violência é insustentável. Essa violência deteriora também a já baixa qualidade de ensino. Além disso, se eu sou aluno de uma escola pública de ensino médio e não consigo aprender Ciências porque não tenho professor nem laboratório para aprender Ciências, eu tenho um handcap tremendo em relação ao jovem que vai à escola privada e que tem melhores professores e melhores laboratórios. Então, falta isso e falta poder ensinar. Por exemplo, um país que não sabe ensinar Ciências no ensino fundamental em um escola é um país que não vai poder nunca se desenvolver. Isso não está acontecendo. E é isso que penso que deva acontecer para mudar o cenário brasileiro.

Quanto à escola agradável, o que o senhor achar de grandes iniciativas arquitetônicas, como os CEUs, ou modelos pedagógicos com escolas sem paredes, como a Escola da Ponte (em Portugal)?

Uma escola agradável não está condicionada a que tenha parede ou não tenha parede, a um modelo arquitetônico ou a uma metodologia pedagógica. Uma escola agradável é uma escola aonde você tem prazer de ir, como o lugar de seu cotidiano de trabalho também deve ser prazeroso. Existem escolas em favelas no Rio de Janeiro que são escolas prazerosas. São escolas que souberam criar um ambiente cotidiano de aproveitamento para a comunidade, escolas que se abrem nos sábados e domingos. Uma escola que é protetora. Isso é o que lamentavelmente está faltando. A escola está deixando de ser o que foi muitos anos atrás, quando era menor. Hoje não é. E sim, temos experiências importantes de escolas públicas em lugares muito pobres que são experiências bem sucedidas. Então, sobre isso deveríamos aprender e reproduzir as experiências. Mas depende muito do diretor, depende muito dos professores e depende muito também da relação com a comunidade.

Então é possível construir bastante, melhorar muito com iniciativas isoladas? Elas funcionam, ou é preciso algum tipo de centralização?

As iniciativas isoladas, se são isoladas, vão causar impacto sempre micro, nunca macro. O que é importante é ter uma política nacional para que esses casos isolados se convertam no habitual. E que as escolas sejam lugares agradáveis para os alunos e os professores, e não lugares de sofrimento para os alunos e os professores. Para isso, você tem que tomar a decisão. Em resumo, diria que, se os governos estaduais, municipais, se os governadores, se os prefeitos, se os secretários de fazenda, se o ministro da Fazenda não considerarem que a área de educação tem que ser prioritária, nada disso que falei vai adiantar. Porque, lamentavelmente, a escola, a educação, não é prioritária. A educação é só importante. Há uma diferença conceitual enorme entre ser importante e ser prioritária.

Isso tudo eu enxergo como sendo para, pelo menos, o médio prazo. Existe alguma medida para melhorar a educação no curto prazo?

Não existem medidas de educação no curto prazo, porque a educação é um processo longo. Segundo, uma medida de curto prazo, e aí não concordo com você, se se determina, em dado Estado, em dada capital, determina, toma a decisão política de que a educação é prioritária, o impacto disso aparece no curtíssimo prazo. Porque se começa a operar uma decisão política que, se é prioritária, eu tenho que priorizar meus esforços e meus recursos na educação. Então, o impacto vai ser muito rápido. Haveria mais recursos, poderia capacitar mais professores, ter escolas para sem-terras, combater a violência nas escolas etc, etc, etc.

E o senhor não enxerga que o atual governo tenha feito isso, nem o anterior?

Eu acho que a educação no Brasil melhorou muito nos últimos anos.

Mas ninguém a considerou prioridade?

Claro. Por exemplo, acho que aqui na esfera federal, no Brasil, há duas pessoas que consideram a educação prioritária: o presidente Lula e o ministro da Educação Tarso Genro. Não me pergunte mais do que o que acabo de dizer. Só isso. Eu considero que isso existe, considero que alguns Estados consideram a educação prioritária, mas a maioria não. Creio que algumas capitais consideram a educação prioritária; a maioria, não.

São Paulo considera?

O Estado de São Paulo considera a educação prioritária. E por isso São Paulo tem indicadores educacionais muito bons e tem programas muitos bons. Porque o governador determinou que a educação é prioritária.

E a cidade de São Paulo?

A cidade tem um novo prefeito, um prefeito que acredita firmemente que a educação deva ser prioritária. Eu fico contente com a situação em São Paulo porque você tem no momento ambas as administrações dando essa prioridade. No caso da Prefeitura, está começando. O Estado já tem um experiência mais longa.

A gente falou bastante já de governo, mas e o papel da sociedade, ela deve tomar para si a responsabilidade pelo ensino público também?

A sociedade tem que tomar pra si a responsabilidade de reivindicar que o Estado, seja federal, estadual, municipal, que a educação dada a seus filhos seja de qualidade, e não aceitar se não for.

E ela não tem feito isso?

Não.

E como pode fazer?

É difícil fazer, porque os que podem fazer isso são os que têm mais informação, nível mais alto de educação, recursos econômicos e que reivindicamos essa educação e mandamos para a escola privada. Os pais, famílias, que têm os filhos na escola pública têm dificuldade para entender isso, porque eles mesmos foram postergados por esse sistema educacional. E a maioria deles tem pouca formação educacional. E não sabem, não tem consciência que a reivindicação por uma educação de qualidade é um direito deles.

As ONGs que trabalham com educação representam uma forma de fazer algo pela educação sem ser necessariamente reivindicando que o governo faça. Isso é uma forma de a sociedade tomar para si parte da responsabilidade, não é?

Não é para tomar para si, é para somar, ser parceiro no processo. É co-responsável.

Como a sociedade pode então cooperar, ajudar, sem ser pela via da reivindicação?

Acho que as ONGs, o terceiro setor têm um papel importantíssimo, primeiro porque eu acredito firmemente que a responsabilidade para mudar a educação brasileira é de todos, não só do governo. Isso significa fazer algo para mudar a educação. Experiências que o setor privado e as ONGs desenvolvem são muitas e muito bem-sucedidas. Qual são os problemas? Primeiro, são experiências pequenas. Nunca podem ser experiências muito grandes porque não são Estados. Segundo problema: pensa que se conhece que há experiências muito bem sucedidas. Lamentavelmente, elas são tomadas pelo Estado como exemplos de experiência muito bem sucedida para poder ampliá-las. É necessário que o Estado a apóie, para que a experiência micro se converta em experiência macro, para que essas experiências bem sucedidas sirvam para formular políticas públicas na linha educacional. O Brasil é um país que tem mobilização muito grande por parte das ONGs e das fundações privadas. Há muitas que funcionam muito bem, há outras que não. É um setor muito dinâmico. Esse setor deveria ser aproveitado. Mas também é um setor que tem que ajudar a que se reivindique mais a educação de qualidade.

O senhor estudou em escola pública?

Sim, em parte do ensino fundamental, menos os dois últimos anos, e no ensino médio também. Tudo isso em Buenos Aires.

E seus filhos?

São cinco. Todos estudaram em escola privada, salvo um, que fez parte do ensino fundamental em escola pública em Nova York.

Eles estudaram em Buenos Aires também?

Não. Na Costa Rica, no Rio de Janeiro e em Nova York.

E a opção pela escola privada foi porque nesses lugares o senhor não pôde achar escola pública de qualidade?

Em Nova York, no bairro em que morava, havia escola pública de muito alto nível, não precisava mandar meu filho para a escola privada. No Rio e na Costa Rica, a escola privada era melhor que a pública.
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