São Paulo, sexta-feira, 22 de fevereiro de 2002
 

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Dor é doença e pode matar

Eduardo Knapp/ Folha Imagem
F. e seu filho P.L., de dez meses, que tem analgesia congênita - cujos portadores não sentem dor



RAFAEL CARIELLO
JOÃO ALEXANDRE PESCHANSKI
DA EQUIPE DE TRAINEES

Ao contrário do que se imagina, nem toda dor é mero sintoma. As dores crônicas são, elas próprias, doenças. Algumas delas, graves, debilitam o sistema imunológico e podem até levar à morte.

Esses conceitos, que começam a se propagar entre os médicos, foram objeto de pesquisa divulgada há quatro meses na Inglaterra.

O trabalho foi realizado na Universidade de Manchester e publicado no "British Medical Journal" de setembro de 2001. Concluiu que existe uma "intrigante" relação entre dor crônica e morte por câncer.

Dor crônica é aquela que persiste, contínua ou intermitentemente, por mais de três meses.

Cientistas da equipe do professor Gary Macfarlane levaram oito anos investigando a relação entre as dores e as causas de morte em um grupo de 6.569 pessoas.

Os participantes do estudo foram divididos em três grupos. Um deles reunia pessoas que não sentiam dores crônicas (37%). Um segundo grupo era composto por pessoas que reclamaram de dores prolongadas em uma parte específica do corpo (48%) e o terceiro por pessoas com dores prolongadas e generalizadas (15%).

Ao longo da pesquisa morreram 654 participantes. Os pesquisadores fizeram um cruzamento das causas das mortes com o tipo de dor relatado. Concluiu-se:

1) a taxa de mortalidade foi maior entre as pessoas que sentiam algum tipo de dor crônica. O número de óbitos foi 15% maior entre os portadores de dores crônicas localizadas e 30% maior entre os que sofriam dores generalizadas;

2) as mortes causadas por doenças cardiovasculares (40%), problemas respiratórios (16%) e outros males (13%) distribuíram-se equitativamente entre os participantes dos três grupos;
3) as mortes por câncer (31%) se concentraram nos segundo e terceiro grupos, os que reuniam os portadores de dores crônicas localizadas ou generalizadas.

O estudo inglês não foi o primeiro a concluir que a dor aumenta o risco de morte. Em 1991, o psicólogo John Liebeskind, da Ucla (Universidade da Califórnia em Los Angeles), escreveu um editorial para a revista americana "Pain" entitulado "A dor pode matar".

No texto, o psicólogo americano apresenta o resultado de pesquisas em cobaias. Foi estabelecida uma relação entre a dor e a debilitação do sistema imunológico -responsável pela defesa do organismo. "Fica claro que uma dor de certa magnitude pode, direta ou indiretamente, diminuir mecanismos imunológicos", escreveu Liebeskind.
Para o neurologista Maurice Vincent, 39, da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), a repercussão da dor crônica nas defesas imunológicas é "mais do que possível".

A dificuldade, segundo o pesquisador, é que as pesquisas foram feitas em animais de laboratório, e os resultados não podem ser automaticamente transpostos para os seres humanos porque, nesses, há outros fatores que condicionam o sistema imunológico.

Doença

Pesquisa da Universidade de São Paulo, de 1995, constatou que 51% dos pacientes com algum tipo de enfermidade reclamam de dores crônicas. Embora não esteja claro como essas dores afetam o sistema imunológico, devem ser diagnosticadas e tratadas como doenças.

De acordo com o ex-presidente da Iasp (sigla em inglês para Associação Internacional para o Estudo da Dor), o pesquisador francês Jean-Marie Besson, 63, o médico que não o fizer estará cometendo um erro muito grave.

Em vários casos, a dor é sintoma e desaparecerá com o tratamento da causa inicial. Segundo Besson, os médicos geralmente se preocupam com as causas e negligenciam o sofrimento do paciente.

No entanto, há casos em que a dor é completamente independente e, sem um tratamento específico, pode durar por muitos anos. Muitas vezes torna-se mais difícil curar a dor do que a doença ou lesão que a originou.






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