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Memória torna crônico o sofrimento
JOÃO ALEXANDRE PESCHANSKI
DA EQUIPE DE TRAINEES
Apesar de geralmente ser associada a aspectos físicos, a causa
das dores crônicas é outra. Segundo o ex-presidente da Sofred (sigla em francês para Sociedade
Francófona para o Estudo da
Dor) Bernard Calvino, 63, o que
as produz é a memória da dor.
Toda vez que alguma forma de
informação (um tapa, por exemplo) incide sobre o sistema nervoso, deixa nele alguma marca.
No caso das dores crônicas, a
experiência prolongada de uma
lesão (como as ocasionadas por
má postura, por exemplo) transforma o sistema nervoso de tal
modo que, mesmo com a cura da
causa inicial, o estímulo doloroso
pode permanecer.
Isso ocorre porque a dor é tão
intensa que ela deixa de ser um
simples sintoma e se transforma
num estímulo crônico, que não
precisa de uma nova experiência
para ser criado. De acordo com
Calvino, ainda não se sabe quais
são as razões que originam "essa
perversão do sistema nervoso".
Para o pesquisador da Escola de
Medicina da Universidade Harvard (EUA) Clifford Woolf, 49, os
mecanismos que originam e
mantêm a memória da dor são cada vez mais estudados e compreendidos. Na década de 80, foram descobertas as moléculas que
dão origem ao fenômeno.
As dores pós-operatórias oferecem um bom exemplo de memória da dor. Segundo dados da
USP, entre 40% e 60% dos pacientes submetidos a cirurgias desenvolvem dores crônicas.
No momento da cirurgia, a dor
é bloqueada pelo uso de anestésicos. Mas a lesão (o corte de um
músculo, por exemplo) produz
um sinal que estimula, nos neurônios, a memória da dor momentaneamente inibida.
O sistema nervoso capta e armazena a manifestação dolorosa.
Com o fim do efeito da anestesia,
a memória, originada da lesão inicial, agrava e prolonga a dor.
Neste início de ano, pesquisadores de Harvard publicaram um
artigo na revista americana "The
Journal of Neuroscience" em que
detalharam o funcionamento das
moléculas relacionadas à aparição de dores crônicas. Concluíram que, além de serem guardiões da memória da dor, elas
agravam o sofrimento físico.
Tratamento
De acordo com o neurobiologista Clifford Woolf, "a descoberta
da relação entre memória e dor
abriu uma nova fase nas pesquisas científicas".
Em 1999, Woolf conseguiu bloquear em ratos as moléculas que
regulam a memória da dor. Injetou-se nas cobaias substância de
efeito analgésico, chamada capsaicina, presente em várias espécies de pimenta.
Mas, segundo Woolf, as drogas
usadas nos ratos são ineficientes
em homens. "Estamos caçando
analgésicos cada vez mais específicos e potentes."
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