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De fera a impulso elétrico
RAFAEL CARIELLO
RODRIGO TAVARES
DA EQUIPE DE TRAINEES
A dor devorou os gregos, foi
louvada pelos medievais e combatida pelos vitorianos. Embora
seja uma sensação comum aos
homens, foi valorizada e explicada de maneiras diferentes ao longo da história.
Nos textos épicos e trágicos da
Grécia Antiga, a dor é percebida
como um ser independente que
ataca e "devora" o indivíduo. Segundo Roselyne Rey, autora do livro "History of Pain" (A História
da Dor, editado pela Harvard
University Press), a dor era compreendida como um ser vivo que
se alimentava da vítima.
Para a medicina da Antiguidade, a dor era provocada pelo desequilíbrio dos "humores" -sangue, cólera, fleuma e bile.
A combinação em diferentes
quantidades dessas substâncias
do corpo determinaria as características físicas e emocionais das
pessoas. Cada uma delas estava
associada a diferentes "qualidades": frio, quente, úmido e seco.
As dores poderiam ser causadas
por desequilíbrios internos dessas
substâncias ou por modificações
provocadas por agentes externos,
que perturbavam a "continuidade" do corpo -como aquelas resultantes de ferimentos.
O tratamento das dores consistia em equilibrar os "humores":
com gelo, água quente etc.
Qualidade feminina
Segundo o historiador francês
Georges Duby, no livro "Idade
Média, Idade dos Homens", a sociedade militarizada da Alta Idade
Média (do século 4 ao século 11)
percebia a dor como um sentimento feminino, que devia ser
evitado pelos homens.
A partir do século 12, devido à
exaltação do sofrimento de Cristo, a dor passou a ser valorizada
como uma forma de manifestação da fé.
No Renascimento, a cultura européia ganha características antropocêntricas -o homem é colocado no "centro do universo".
O sofrimento físico passa então a
ser associado ao indivíduo, e não
à religião.
Essa revolução e o aumento da
importância do homem legitimam o surgimento dos estudos
de anatomia e a dissecação de cadáveres, que antes era considerada profanação do corpo .
O declínio da religiosidade
coincide com a ascensão da revolução científica dos séculos 16 e 17.
O filósofo francês René Descartes
utilizou o método das ciências
exatas para tentar explicar o sofrimento físico. Foi o primeiro a afirmar que a dor, partindo da pele,
corria por filamentos até ser percebida pelo cérebro -um modelo simples do sistema nervoso.
No Iluminismo (século 18),
ocorre um processo de secularização da dor. Os médicos do Século
das Luzes passam a estudá-la a
partir dos cinco sentidos, sem fazer referência a Deus ou ao Demônio. Praticam uma medicina
empírica, baseada na observação,
e procuram entender qual a mecânica da dor -como surge e como é transmitida dentro do corpo
até chegar ao cérebro.
O fato de alguns animais se moverem após a morte fez os médicos do século 18 se perguntarem
se a dor acabava junto com a vida.
Os aristocratas guilhotinados
na Revolução Francesa sentiram
dor após ter a cabeça separada do
corpo?
O famoso episódio em que o
carrasco dá um tapa na cabeça decapitada de Charlotte Corday e ela
fica vermelha aumentou a suspeita de que os nobres sentiam dor
após a decapitação.
Eletricidade
O modo como compreendemos
a sensação de sofrimento físico
surgiu, fundamentalmente, no século 19. Consolidaram-se os modelos de transmissão da dor por
um sistema de nervos que se comunicavam com a medula e de lá
com o cérebro.
No século em que o homem
"domesticou" a eletricidade -armazenando-a e conduzindo-a
por fios de alta tensão até as cidades-, descobriu-se que também
a dor era transmitida por impulsos elétricos.
Ao mesmo tempo, as descobertas da química possibilitaram a
criação de analgésicos e anestésicos mais eficientes e seguros.
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