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SAÚDE MENTAL
Dor altera personalidade e chega a provocar depressão
RENATO ESSENFELDER
DA EQUIPE DE TRAINEES
Dores físicas também afetam
o psiquismo do paciente. A convivência prolongada com o sofrimento crônico pode levar a
pensamentos suicidas e até a
transtornos mentais mais sérios, como a depressão. Como
corpo e mente são inseparáveis,
tudo que afeta um, afeta o outro.
Por causa dessa interatividade, ao mesmo tempo que o estresse emocional pode desencadear um processo doloroso (como úlcera gástrica, por exemplo), a dor modifica a relação do
indivíduo com o mundo. "A dor
conduz a um retraimento da
pessoa sobre si mesma", afirma
o psicanalista e professor Rubens Volich, 46, do Instituto Sedes Sapientiae, de São Paulo.
Para ele, além de aliviar a dor,
é necessário compreendê-la, já
que ela pode ser sinal de outros
sofrimentos não-expressos.
"Entender a função de determinada síndrome dolorosa potencializa os recursos terapêuticos", completa.
A visão psicanalítica da dor é
ampla. Para a psicanálise, o homem sofre também por medo,
angústia ou tristeza. Para a medicina, dor é um estado de exceção, vinculado a uma lesão física
ou disfunção biológica.
Há consenso, entretanto, no
sentido de evitar que a dor vire o
centro da vida dos pacientes. Estudo do Hospital das Clínicas da
USP realizado em 1995 mostrou
como o sofrimento altera a sociabilidade. Segundo a pesquisa,
mais de 90% dos portadores de
dor crônica tornam-se agressivos, irritadiços ou deprimidos.
Nos EUA, levantamento realizado em 2000 pela indústria farmacêutica Purdue revelou que
57% dos doentes com dor crônica sentem-se "cansados o tempo todo". Outros 49% afirmaram sentirem-se "muito mais
velhos do que realmente são", e
mais de 30% dos mil entrevistados disseram que às vezes sentem dores tão intensas que prefeririam morrer.
Estigma
A depressão, aliás, está na
pauta da OMS (Organização
Mundial da Saúde) como um
dos mais importantes males do
futuro. Hoje, o transtorno já é a
quarta causa de incapacitação
no mundo. Em 2020, será a segunda -atrás apenas do grupo
de doenças cardíacas. Estima-se
que 121 milhões de pessoas ao
redor do mundo estejam, neste
momento, deprimidas.
A depressão, mais do que mal
estar, causa também mortes. A
OMS calcula que 10% a 15% dos
deprimidos tentam suicídio. Do
total de um milhão de pessoas
que se matam anualmente, 60%
delas são portadoras de depressão ou esquizofrenia.
Dedicado à saúde mental, o
último relatório anual da OMS
aponta que 70 milhões de pessoas são hoje alcoolistas, 50 milhões têm epilepsia, 37 milhões
sofrem com mal de Alzheimer e
24 milhões são esquizofrênicas.
No Brasil, o Ministério da Saúde estima que 3% da população
-mais de 5,2 milhões de pessoas- sofra de transtornos
mentais. Para quem sofre de dor
crônica, a incidência é de 30%.
Na opinião do psiquiatra da
Secretaria de Segurança Pública
do Paraná, Cesar Skaf, esses números estão aquém da realidade. "O transtorno de humor é
subdiagnosticado. A maioria
dos médicos não está preparada
para o diagnóstico", diz.
O próprio comportamento do
doente contribui para a subnotificação. "O paciente não se dá
conta, ou nega, as questões
emocionais. Muitas vezes é mais
fácil se queixar da dor física do
que da psíquica", avalia Betty
Boguchwal, 46, psicóloga do
Centro de Dor do HC.
Segundo relatório da OMS, até
70% dos portadores de distúrbios mentais não procuram ajuda, seja por "estigma social, discriminação ou negligência".
Mas, mesmo que esse cenário
de preconceito e despreparo
fosse completamente extinto, a
guerra contra a dor não estaria
vencida. Para o diretor do Laboratório de Psicopatologia Fundamental da PUC-SP, Manoel
Tosta Berlinck, 65, o sofrimento
é inescapável. "O humano é
uma espécie dolorida. Se acabar
a dor, acaba o homem."
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