Ivo Arzua Pereira

29.abr.1925 -

 

Ministro da Agricultura


O ministro da Agricultura à época da edição do AI-5, Ivo Arzua, 83, saiu da reunião com seus minutos de fama garantidos. No encontro do Conselho de Segurança Nacional, em 13 de dezembro de 1968, Arzua falou por quase oito minutos sobre a necessidade de "uma Nova República" e a falta de "substância filosófica" dos partidos.

 

Em "A Ditadura Envergonhada", Elio Gaspari comenta o constrangimento dos demais ministros com o discurso proferido por Arzua, que estava ali para cumprir o regimento, pois o ministério não tinha expressão política. Ex-prefeito de Curitiba, o ministro da Agricultura assumiu a pasta em 1967, a convite do presidente Arthur da Costa e Silva, após renunciar ao cargo na capital paranaense.

 

O ministro permaneceu no governo até o fim do período da junta militar e, em 1969, deixou a política com a posse do general Emilio Garrastazú Medici para assumir a diretoria da Telepar (Companhia de Telecomunicações do Paraná).

 

Com o endurecimento do regime e das práticas de tortura, Arzua anunciou seu desligamento da Arena (Aliança Renovadora Nacional), partido de sustentação do regime que havia ajudado a fundar em 1964. Em 1977, declarou ter sido voto vencido na reunião do AI-5 e se mostrou favorável à convocação de uma Assembléia Constituinte de revogação do ato.

 

No mesmo ano, devido a seu gosto pela literatura, publicou crônicas em um jornal paranaense, nas quais tentava sensibilizar os candidatos à Presidência da República sobre temas que considerava importantes para o país. Alguns anos depois o material foi reunido e publicado no livro "Com Licença, Sr. Candidato", de 1983.

 

Arzua –que atualmente mora em Curitiba– escreveu outros sete livros sobre variados temas, desde religiosidade até estratégias de desenvolvimento. As obras estão disponíveis para consulta em sua página na internet. A última delas, publicada em 2001, leva o título "No Século XXI e no II Milênio, Há Que Continuar Semeando".

 

 

 

 

 

 

Ouça o áudio

 

 

Excelentíssimo senhor presidente da República, Excelentíssimos senhores membros do Conselho de Segurança Nacional. Acredito que nós estamos realmente num momento que podemos denominar encontro com a verdade nacional. E acredito que os povos e os governantes têm que atentar bem para essas oportunidades históricas e tomar as decisões mais aconselháveis para conduzir a nação aos seus gloriosos destinos. Estou, senhor presidente e senhores membros do Conselho, inteiramente solidário com a Presidência da República e com as Forças Armadas pela calúnia e ofensas de que foram alvo. Acredito mesmo, e nesse momento não poderia dizer aquilo que vai na minha alma com toda sinceridade. Acredito até que as Forças Armadas foram, vamos dizer assim, magnânimas, porque não reagiram com desforço pessoal que seria talvez o meu caso.

 

Talvez eu tivesse, senhor presidente, talvez não devesse dizer isto aqui... mas como eu disse, é o encontro com a verdade nacional. Talvez eu não resistisse e fosse até o desforço pessoal com aquele que ofende uma classe, uma classe gloriosa que vem prestando os mais assinalados serviços à nação brasileira, e nós todos, com humildade, brasileiros que conhecemos a história pátria, devemos reverenciar tudo aquilo que as Forças Armadas vem fazendo com engrandecimento da nação, salvando-a repetidamente e freqüentemente de crises sucessivas. De maneira que estou plenamente solidário com Vossa Excelência e com as Forças Armadas.

 

Senhor presidente, eu, por natureza, sou frontalmente contra tudo o que é artificial e inautêntico e porque de uma origem viciada não pode resultar condições de prosseguimento e de subsistência. Acredito que Vossa Excelência já... em várias oportunidades, no início deste governo, eu havia assinalado à Vossa Excelência, que com sua paciência e sua atenção paternal, os seus sábios conselhos, levou-me naturalmente a aceitar aqueles termos constitucionais que eu julgava, por minha formação e por minha natureza, não compatível (sic) com a verdade nacional.

 

Acredito, Excelentíssimo senhor presidente, que Constituição não é mais que constituir um Estado, e se nós vamos constituir um Estado, quem constitui um Estado é o povo, então o povo no ato da Constituição deve dizer daqueles direitos que transfere ao Estado e daqueles direitos que ele conserva para si. As nossas Constituições, senhor presidente, infelizmente eu sou obrigado a dizer isso, foram, tiveram sempre um cunho artificial. Foram sempre Constituições encomendadas a meia dúzia de juristas, naturalmente os mais dignos, os mais capazes, mas isto é o ato final de uma Constituição, é sua forma jurídica. Acredito que a Constituição deve nascer espontaneamente e representar a verdadeira índole de um povo e suas aspirações.

 

A nossa primeira Constituição foi encomendada ao grande gênio nacional, Rui Barbosa, que a copiou da América do Norte. E sucessivamente nossas Constituições foram emendadas e nós temos, nós tivemos, na realidade, colchas de retalhos que não espelham nem a índole nem as aspirações nacionais. E acredito que se esta forma está defeituosa, esta forma irá gerar sempre atos imperfeitos. Era preciso que a Constituição espelhasse realmente o verdadeiro e autêntico Estado brasileiro. Como ela não espelha essas nossas aspirações e esses desejos, ela está então contra a realidade nacional, está nos manietando, está impedindo que este gigante possa se desenvolver, de acordo com os recursos econômicos que ele possui, de acordo com a capacidade de nosso povo.

 

Mas, como eu disse, então... como um dos revolucionários de 31 de março de 64, acreditei e sugeri a Sua Excelência, o marechal Castello Branco, que a Constituição revolucionária fosse submetida a debate público. Naturalmente, eu queria dizer a Sua Excelência, o marechal Castello Branco, que quem coloca em discussão um documento dessa natureza, naturalmente estabelece as regras da discussão e nós teríamos então uma Constituição legitimada pelo consenso popular. O povo brasileiro participaria efetivamente da institucionalização dessa revolução e ela estaria hoje incontestada, e não como disse o Excelentíssimo senhor ministro da Fazenda, contestada globalmente. No entanto, como disse ouvindo as pregações de Sua Excelência, o presidente da República, aprendi a respeitar e cumprir integralmente a Constituição atual da República, acreditando, na esperança que nós chegássemos a um grande resultado.

 

Também, apesar de revolucionário da primeira hora, Excelentíssimo senhor presidente, critiquei a maneira como foram formados os dois grandes partidos nacionais. Acredito que partido político tem que ter um fundo eminentemente filosófico e doutrinário, e que possam (sic) unir quantidades homogêneas, e não quantidades heterogêneas como foram formadas sobre estas designações da Aliança Renovadora Nacional e Movimento Democrático Nacional. Apesar disso, também me submeti na esperança de que esses dois grandes partidos soubessem compreender a hora nacional que nós vivíamos e soubessem oferecer ao povo brasileiro aqueles instrumentos legais de políticos que nós necessitávamos para o nosso desenvolvimento. Mas essa heterogeneidade partidária e essa falta de substância filosófica haveria de resultar nisto que resultou. Crises sucessivas e com gravidade crescente.

 

Por tanto, Excelência e senhores membros do Conselho de Segurança Nacional, estamos em face de um momento histórico da máxima gravidade e acredito que devemos estar à altura dele. Paliativos poderão retardar novas crises, mas não as eliminarão. Sou favorável a medidas profundas e corajosas, e que possam realmente remover as causas dessas crises sucessivas, não apenas de eliminar os seus efeitos. Esse grande monumento da última guerra [estadista britânico Winston Churchill (1874-1965)] nos aconselhava de que nada nos adiantaria dizermos que estávamos fazendo o possível. Dizia ele que era preciso fazer o que fosse necessário. Então, Excelentíssimo senhor presidente e excelentíssimos senhores membros, acredito que neste encontro com a verdade nacional é hora de nós procurarmos saber o que é necessário para permitir a nação brasileira que ocupem essa destinação histórica que pertence pelas suas tradições, pelos recursos que possui, pela capacidade do seu povo.

 

Devemos optar, excelência, entre sermos criticados pelos maus patriotas, mas ficarmos ainda a meio caminho dos objetivos nacionais, sendo criticados pelo resto do povo brasileiro. Ou sermos criticados pelos maus brasileiros, mas atingirmos de sagrados objetivos nacionais e sermos no futuro reconhecido pelo povo brasileiro. Também acredito, como disseram vários excelentíssimos senhores membros deste Conselho, que um ato institucional é, na realidade, uma nova revolução. E se é nova revolução, nós devíamos ir até o fim desta revolução para cumprir essas esperanças e cumprir as aspirações nacionais.

 

E se fosse necessário, Excelência, seria o caso de se criar uma nova República no Brasil. Acredito que uma nova República encontrasse verdadeiramente a alma nacional e tivesse que satisfazer nossas aspirações e nossos desejos de grandeza que legitimamente os temos. Talvez devêssemos ir até a dissolução do Congresso Nacional, marcar novas eleições com um prazo definido, uma Constituinte que elaborasse uma autêntica Constituição e que fosse uma fôrma autêntica para todas nossas decisões. E a formação de partidos novos e autênticos com sentido filosófico, como eram aqueles quatro grandes partidos nacionais que pelo menos tinham este conteúdo filosófico e talvez merecessem apenas um expurgo daqueles maus elementos, daqueles seus efeitos. Agora esta, sinceramente, senhor presidente, é a minha opinião. Este é realmente o espelho daquilo que me vai na alma. Mas como homem de equipe me submeterei integralmente à decisão deste Conselho de Segurança Nacional.

 

 

 

 

 

Protagonista de um dos mais longos votos da reunião do AI-5, o ministro da Agricultura Ivo Arzua discorreu por quase oito minutos sobre o que considerou o "encontro com a verdade nacional". Naquela obscura tarde de 13 de dezembro de 68, o discurso ensaiado de Arzua talvez tenha sido o momento mais embaraçoso entre os presentes.

 

Em sua fala, abordou desde a "magnanimidade das Forças Armadas" à "falta de substância filosófica" dos partidos políticos. Também sugeriu ao presidente Arthur da Costa e Silva _a quem agradeceu pelos ensinamentos ao longo da carreira política_ a formação de uma "Nova República", que representasse as verdadeiras "aspirações nacionais". "Este é realmente o espelho daquilo que me vai na alma", concluiu.