Luís Antônio da Gama e Silva

15.mar.1913 - 2.fev.1979

 

Ministro da Justiça


Luís Antônio da Gama e Silva, ministro da Justiça, chegou atrasado à primeira reunião sobre o AI-5, marcada para as 11h do dia 13 de dezembro de 1968, no Palácio Laranjeiras.

 

Com duas versões do ato dentro da pasta, Gama e Silva apresentou primeiramente a mais radical, que propunha o fechamento definitivo do Congresso, das Assembléias e das Câmaras de Vereadores, além do recesso do STF (Supremo Tribunal Federal).

 

Zuenir Ventura, em seu livro "1968 - O ano que não terminou", conta que o esboço mais rígido apresentado naquela tarde fora recebido com risos. "Assim, não, Gama; assim você desarruma a casa toda", disse, conforme relata Ventura, o ministro Lyra Tavares.

 

Dali a um pouco, Gama e Silva reunia-se com o chefe do Gabinete Civil da Presidência da República, Rondon Pacheco, para debruçarem-se sobre o que viria a ser, então, a versão mais amena de um documento que visava restringir duramente a maior parte das liberdades individuais resguardadas pela Constituição. O AI-5 divulgado na noite de 13 de dezembro era a segunda opção de Gama e Silva.

 

Maluco

 

A redação do ato rendeu-lhe a alcunha de "maluco", segundo observação de Golbery do Couto e Silva presente no livro "A Ditadura Envergonhada", de Elio Gaspari.

 

É que, para redigir duas versões igualmente autoritárias, porém diversas do ponto de vista constitucional, Gama e Silva trancou-se num quarto de hotel e, segundo ele, as redigiu em quatro horas, sem consultar livros ou códigos penais. "Restaurar a verdadeira democracia, autêntica democracia", conforme discursou durante a reunião pela votação do AI-5, era o que importava.

 

O vingador de 1968

 

Gama e Silva foi das figuras de maior destaque na repressão às manifestações estudantis de 1968. Pressionou pela saída de Juscelino Kubistchek da Frente Ampla (movimento encabeçado por Carlos Lacerda em oposição à ditadura militar) e apoiou leis e portarias que constrangessem atividades organizadas de oposição ao regime.

 

Sobre o discurso do deputado Márcio Moreira Alves (MDB-GB) _que defendeu, em 2 de setembro de 1968, no plenário da Câmara, o "boicote ao militarismo"_, Gama e Silva emitiu parecer considerando o ato "uso abusivo do direito de livre manifestação do pensamento".

 

Principal signatário do pedido de cassação dos direitos políticos de Moreira Alves, foi derrotado na votação do dia 12 de dezembro, que livrou o deputado do processo. Na noite do dia 13, veio a revanche: anunciava, pela televisão, na biblioteca do Palácio Laranjeiras, com o AI-5 nas mãos, a supressão dos direitos civis dos cidadãos brasileiros.

 

Gama e Silva permaneceu como ministro até a posse do general Emilio Garrastazú Medici. Transferiu-se, então, para Lisboa, convidado por Medici a ocupar as funções de embaixador do Brasil em Portugal. Em 1974 pediu exoneração do cargo e voltou ao país para dedicar-se à carreira jurídica e acadêmica.

 

Em entrevista concedida à revista "Singular e Plural", em janeiro de 1978, manifestou-se contrário à extinção do AI-5, que, de acordo com ele, nada tinha de antidemocrático e era uma "boa advertência aos candidatos à subversão".

 

Morreu em São Paulo no dia 2 de fevereiro de 1979.

 

Política e academia

 

Natural de Mogi Mirim, interior de São Paulo, Gama e Silva nasceu em 15 de março de 1913. Bacharel em ciências jurídicas e sociais pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (atual Faculdade de Direito da USP), participou do ato que colocou Getúlio Vargas no poder, em 1930, e da Revolução Constitucionalista de 1932, em São Paulo.

 

Em 1953 foi nomeado professor catedrático de direito internacional privado da Faculdade de Direito da USP. Dirigiu interinamente a instituição durante os anos de 1958 e 1959, sendo eleito no último ano diretor por mais três anos. Em 1963, assumiu a reitoria da universidade.

 

Depois do golpe, Gama e Silva chegou a ser convidado para ser ministro da Justiça e da Educação e Cultura durante o mandato presidencial do então presidente da Câmara, Ranieri Mazzilli.

 

Ainda em 1964 foi designado juiz da Corte Internacional de Haia, na Holanda, para um mandato de cinco anos. De mudança, recusou o cargo de procurador-geral da República oferecido por Castello Branco.

 

 

 

 

 

 

 

 

Ouça o áudio

 

 

Excelentíssimo senhor presidente e membros deste conselho. Considerandas apresentadas justificam as razões determinantes do Ato Institucional.

Motivos de natureza política, motivos de segurança, motivos de defesa da ordem revolucionária. O eminente senhor vice-presidente da República, grande mestre de direito constitucional, especialista em problemas de imunidades parlamentares, com uma clássica monografia, fez algumas observações de natureza jurídica, embora Sua Excelência não entrasse a fundo no problema, para entender que outro procedimento poderia ter sido adotado na representação encaminhada à Câmara dos Deputados.

Responsável pela justificativa de natureza jurídica da decisão que foi adotada por Sua Excelência o senhor presidente da República e cujas ordens cumprindo, encaminhei ao senhor procurador geral da República, reafirmo meu ponto de vista, eminente vice-presidente Pedro Aleixo, em que, pelo texto constitucional, a representação do Poder Executivo tem todo o seu fundamento.

Vossa Excelência observou, reiteradamente, que o ato... a minuta de Ato Institucional apresentada à apreciação deste conselho praticamente nada deixa da Constituição. Mais uma vez lamento divergir de Vossa Excelência, porque, lendo-se o ato, até mesmo na matéria do estado de sítio, os preceitos constitucionais são respeitados. Há um sem número de normas da própria Constituição que são mantidos.

Fala Vossa Excelência que estabelece-se uma ditadura. Também não acredito que se estabeleça uma ditadura, porque não se dá a Sua Excelência o senhor presidente da República um poder discricionário que é a nota qualitativa dos regimes ditatoriais. Investe-se, Sua Excelência, de poderes necessários, que, por assim dizer, se tornaram tradicionais, apesar de tão curtos os prazos em que nasceram, na revolução de março de 1964.

A atual Constituição não correspondeu às necessidades revolucionárias. A subversão que surgiu nos mais variados setores infelizmente atingiu também o Congresso Nacional. O que não posso entender senão como ato de autêntica subversão contra o regime o comportamento da Câmara dos Deputados _em particular do Partido que deveria apoiar o governo, e que se quis até chamar de "Partido da Revolução"_ na apreciação de um pedido de licença para processar um dos seus pares.

A subversão está nas ruas. Os senhores ministros responsáveis pelas pastas militares, os eminentes chefes dos Estados-Maiores aqui presentes, o senhor chefe do Serviço Nacional de Informações declararam, inequivocamente, o grande risco que corre a nação.

A Revolução foi feita exatamente, como um dos seus pontos fundamentais, para impedir a subversão e assegurar a ordem democrática. Se essa ordem democrática corre risco, outra razão não existe senão nos socorrermos de instrumentos revolucionários adequados para que possamos restaurar a verdadeira democracia, autêntica democracia, que é o desejo de todos nós. Porque outra coisa não desejamos senão isso.

E Sua Excelência o senhor presidente da República, por várias vezes, em despachos de Sua Excelência, tivemos oportunidade de tratar desse assunto, e quero, mais uma vez, aqui declarar o empenho do ilustre chefe da nação em manter, a qualquer custo, com sacrifício pessoal, a ordem constitucional implantada pela Carta de 24 de janeiro de 1967.

Ocorre, porém, que ela não corresponde; há necessidade de instrumentos mais rígidos. Sua Excelência entendeu que o estado de sítio poderia ser a primeira fase. O eminente ministro Rondon Pacheco apresentou argumentos de amplo convencimento, embora Vossa Excelência tivesse admitido que, se este falhar, então deveríamos seguir a adoção dos instrumentos adequados.

E esse instrumento eu não vejo senão esta série de normas de caráter revolucionário e que nós consideramos como sendo a continuidade do processo revolucionário. Porque o Ato nº 4, ao delegar ao Congresso Nacional a elaboração da nova Constituição, estabeleceu pressupostos para a elaboração do próprio texto constitucional, conforme constam nas considerandas que abrem a série de dispositivos desse ato.

Não encontramos outro instrumento, dentro dos quadros legais do Brasil, que possa conter a subversão e que possa assegurar a ordem, a paz, a tranqüilidade, o progresso e o desenvolvimento cultural e social do país. Por essa razão é que nós entendemos plenamente justificado como verdadeira medida de salvação nacional _medida revolucionária, é verdade, mas sem caráter ditatorial_ porque a pessoa a quem esses poderes são confiados, pelo seu passado, pelas suas atitudes, pela sua ponderação, pelo seu equilíbrio e pelo seu patriotismo, saberá dosar e aplicar as medidas que são conferidas à Sua Excelência o senhor presidente da República, nos casos que se tornarem necessários.

O senhor ministro Delfim Netto, apoiado pelos senhores ministros... senhor ministro Afonso Albuquerque e pelo senhor general chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, sugeriram uma emenda, qual fosse aquela que devesse constar deste ato, a possibilidade de Sua Excelência o senhor presidente da República emendar a Constituição.

Efetivamente foi esse o nosso pensamento, tanto que redigimos um texto, segundo o qual, sem as limitações constitucionais, poderá o presidente da República fazer emendas à Constituição, menos aquelas que pudessem, virtualmente, atentar contra a Federação e a República, repetindo um princípio tradicional que vem desde a Constituição de 1891. Estamos de inteiro acordo com essa sugestão.

O ilustre ministro Jarbas Passarinho observou o artigo 8º. No entanto, senhor ministro, o parágrafo único do artigo 8º corresponde precisamente a idéia de Vossa Excelência. Transfere o ônus da prova no caso de enriquecimento ilícito ao acusado.

O senhor ministro Tarso Dutra apresentou três sugestões... O senhor ministro Tarso Dutra apresentou três observações: a primeira quanto à denominação do ato. Devo dizer a Vossa Excelência que exatamente era nossa idéia denominar o instrumento de "Ato Adicional". Todavia, designado o eminente ministro Rondon Pacheco para dar-nos a redação final a ser apresentada a este conselho... (som de sirenes) Sua Excelência ponderou que, tendo em vista os princípios e os fundamentos deste ato, que eram, na verdade, a continuidade do processo revolucionário, preferível seria que se adotasse a denominação de Ato Institucional.

Talvez a denominação Ato Adicional, senhor presidente da República, como chamei Ato Adicional à Constituição, apesar das observações em contrário, fosse a mais adequada. No entanto, não vejo que possa surgir qualquer problema de natureza jurídica pela qualificação que se dê a esse instrumento revolucionário _Ato Adicional ou Ato Institucional.

Vossa Excelência sugere a supressão do artigo 1º. Na verdade, esse dispositivo foi colocado como um preceito inicial do texto, por sugestão do eminente ministro Rondon Pacheco, dentro da tradição dos atos institucionais da revolução de 1964.

Finalmente, refere-se Vossa Excelência ao último artigo, onde efetivamente houve um equívoco. A expressão "constitucionais" não deveria ter constado.

O senhor ministro Rondon Pacheco, apresenta duas sugestões, senhor presidente. Primeiro, que o prazo de recesso, acaso decretado, para o Congresso Nacional, Assembléias Legislativas ou Câmaras Municipais, devesse ser fixado previamente. Nós entendemos que não, nós entendemos que o prazo do recesso deve ficar, isto sim, ao arbítrio do presidente da República, que, no momento que julgar oportuno, convocará o Congresso Nacional para retornar às suas funções constitucionais.

Não receiamos que, porventura, uma atitude como esta possa ser tida, lá fora, como objeto de entendimentos, ou, para usar da expressão um pouco chula, de "cambalacho político". Nem da parte do Poder Executivo, nem da parte do Poder Legislativo, se poderia fazer semelhante juízo. Não vejo razões por que se fixar este prazo, quando fica entregue à prudência de Vossa Excelência a sua determinação.

Quanto ao se fixar o prazo de duração do próprio Ato Institucional, a experiência demonstra como foi errado fixarmos os prazos no Ato Institucional nº 1. Penso que isto é motivo mais do que suficiente para justificar que, este ato, outorgado como foi, possa até mesmo ser revogado a curto ou a longo prazo.

Outros fatos podem se suceder, mas limitar no tempo aquilo que agora se dispõe a fazer para assegurar a continuidade da revolução de 1964 seria, para nós, com a devida venia, incidir no mesmo erro praticado no Ato Institucional nº 1, quando a revolução se autolimitou e a consequência é a autodestruição que estão querendo provocar dentro dela própria.

São essas, senhor presidente da República, as observações que apresento à decisão de Vossa Excelência quanto às sugestões que foram apresentadas.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O ministro da Justiça, Luís Antônio da Gama e Silva, foi responsável pelas considerações finais sobre os votos. Propositor do ato, era rigorosamente a favor até mesmo de medidas mais rígidas do que aquelas expostas no AI-5.

 

Em 13 minutos de discurso, gastou boa parte do tempo expondo argumentos que contrariavam a opinião de do então vice-presidente, Pedro Aleixo.

 

"Não acredito que se estabeleça uma ditadura, porque não se dá a vossa excelência o senhor presidente da República um poder discricionário que é a nota qualitativa dos regimes ditatoriais", disse.

 

Desse modo, para Gama e Silva, a decretação de estado de sítio não era suficiente para conter a subversão e assegurar a ordem.

 

"Se essa ordem democrática corre risco, outra razão não existe senão nos socorrermos dos instrumentos revolucionários adequados para que possamos restaurar a verdadeira democracia, autêntica democracia, que é o desejo de todos nós", afirmou.