José de Magalhães Pinto

28.jun.1909 - 6.mar.1996

 

Ministro das Relações Exteriores


Para José de Magalhães Pinto, a política era como uma nuvem: "Você olha e ela está de um jeito; olha de novo e ela já mudou." A frase famosa, muitas vezes atribuída a Ulysses Guimarães, era expressão do "frasismo" do ex- banqueiro, ex-deputado, ex-governador de Minas Gerais e então ministro das Relações Exteriores, na época da publicação do Ato Institucional nº 5.

 

Um dos signatários do histórico Manifesto dos Mineiros –primeiro pronunciamento público de setores liberais contra o Estado Novo (1937-1945), em outubro de 1943–, Magalhães Pinto subscreveu o AI-5 na "esperança" de que o decreto tivesse vigência de seis ou oito meses, diria em entrevista, 16 anos depois.

 

Ainda governador de Minas Gerais, Magalhães Pinto envolveu-se diretamente no golpe de 1964, das articulações que levaram à derrubada de João Goulart às negociações para a escolha do novo presidente, Castello Branco.

 

Assumiu cadeira na Câmara dos Deputados em fevereiro de 1967, mas exerceu mandato apenas até 14 de março: por ocasião da posse presidencial do general Costa e Silva, assumiu o Ministério das Relações Exteriores. Um dos marcos de sua gestão no ministério foi a recusa a assinar o Tratado de Não-Proliferação Nuclear.

 

Trajetória

 

Filho do comerciante de cereais José Caetano de Magalhães Pinto e da dona-de-casa Maria Araújo de Magalhães Pinto, o ex-ministro nasceu no dia 28 de junho de 1909, em Santo Antônio do Monte, centro-oeste de Minas Gerais.

 

Aos 17 anos, foi admitido escrituário do Banco Hipotecário e Agrícola, futuro Banco do Estado. Atuou em associações comerciais, trabalhou em empresas de mineração, formou-se em direito e casou-se com Berenice Catão, com quem teria seis filhos.

 

Nas eleições de 1945, foi eleito, pela UDN, deputado federal –cargo para o qual se reelegeria até 1960, quando assume o governo de Minas.

 

Pós AI-5

 

Com o afastamento de Costa e Silva da Presidência, e com a posse de Medici, Magalhães Pinto deixou o ministério e voltou à Câmara. Em 1970, foi eleito senador e, cinco anos depois, eleito presidente do Senado.

 

Em sua carreira política, ainda cogitaria se candidatar, durante da democratização, à Presidência da República. No entanto, após admitir que "política é como nuvem", reconheceria que as alternativas de então eram Paulo Maluf ou Tancredo Neves. Acabou apoiando o conterrâneo.

 

Paralelamente, na área financeira destacou-se como um importante banqueiro: em 1974, o Banco Nacional, fundado por ele, tornou-se o terceiro mais importante do país.

 

Em novembro de 1995, o Nacional sofreria intervenção do Banco Central e seria acusado de ter sua contabilidade fraudada desde 1986.

 

Um dos maiores escândalos de instituições financeiras do país –que, depois de se arrastar por anos, levou ao afastamento dos diretores e à posterior incorporação do Nacional ao Unibanco– não foi acompanhado por Magalhães Pinto.

 

O banqueiro e político morreu no dia 6 de março de 1996, dez anos após um acidente vascular cerebral que o afastou da política e dos negócios.

 

 

 

 

 

 

 

 

Ouça o áudio

 

 

Senhor presidente, senhores membros do conselho. Pelo pouco tempo, senhor presidente, que nos foi confiado o Ato Institucional, eu não quero entrar em minúcias a respeito do que ele contém. Penso que isso poderia ser feito ainda, no estudo entre os juristas do governo, tendo em vista as ponderações aqui feitas pelo senhor vice-presidente e já pelos ministros da Marinha e da Guerra.

 

Desde o princípio, senhor presidente, da Revolução, eu sempre discutindo com o presidente Castello Branco, e mesmo com Vossa Excelência, declarei que nós estávamos vivendo sempre uma certa contradição. Nós depressa demais instituímos assim uma legalidade que não correspondia à realidade. Penso que hoje nós estamos é diante de uma situação de fato. Julgo mesmo que Vossa Excelência, ao apresentar o problema à nação, não deveria situar o problema de agora apenas no caso do deputado Márcio Alves. Esse problema é parte, quer dizer, é um percentual num contexto geral de crises que se sucedem e que precisam ser debeladas com o nosso esforço, e, mais do que isso, com o nosso exemplo. Exemplo de austeridade, exemplo de dignidade de governo, exemplo de lealdade para com o povo e para com as autoridades.

 

Enfim, eu não quero, senhor presidente, entrar em detalhes, porque as pessoas que foram incumbidas por Vossa Excelência, naturalmente, examinaram todos esses detalhes. Sei que isto [o caso Márcio Moreira Alves] foi, digamos, a gota d'água, isto fez entornar o caldo. Eu tenho muitas ligações no meio revolucionário e posso dar o meu testemunho que Vossa Excelência muitas vezes conversou comigo sobre o assunto, e dizendo o que acabou de dizer há pouco: que era mais fácil sair da legalidade do que mantê-la. Vi os esforços que foram feitos por Vossa Excelência para não sair dessa legalidade. Eu também confesso, como o vice-presidente da República, que realmente com este ato nós estamos instituindo uma ditadura. E acho que se ela é necessária, devemos tomar a responsabilidade de fazê-la. Eu não conheço bem, dentro do mecanismo constitucional, comparando os textos, se o que resta caracteriza mesmo essa ditadura. Acho que ainda é tempo de alguma coisa ser feita, digamos, para evitar, inclusive porque sei que maior violência, ninguém está sofrendo maior violência, nesta hora, no seu temperamento, no seu modo de ser, do que Vossa Excelência. Os problemas que lhe serão atribuídos doravante serão um encargo pesado, um fardo duro de carregar, porque na verdade, quanto mais um homem de governo, quanto mais poderes ele tem, maiores são as suas responsabilidades.

 

Mas é certo também, senhor presidente, e aí eu quero lhe falar como homem da Revolução, com as responsabilidades que tive no desencadeamento desse movimento, que a Revolução precisa chegar ao seu fim. Eu acho que ela não chegou ao seu fim apenas com a Constituição, inclusive porque essa Constituição foi feita assim um pouco apressada, e com um debate com prazos muito determinados, porque o saudoso presidente Castello desejaria deixar, ele tinha assim como norma, institucionalizar a revolução e deixar para os sucessores, como homem amante da legalidade etc., já normas que serviriam permanentemente de base.

 

Mas nós verificamos que a realidade foi outra. Estamos aí lutando, há muito tempo, com subversão, com vários processos, que significam que há um desejo de várias correntes, de derrubar a obra que foi realizada. E agora são as próprias Forças Armadas, através da palavra de seus chefes, que afirmam que é difícil manter a ordem do país sem, com apenas com a Constituição.

 

Então, no meu entender, senhor presidente, devemos fazer um Ato Institucional. Um Ato Institucional que resguarde, procurando colocar nele o essencial. Eu confesso a Vossa Excelência que, naturalmente, um debate privado entre os que fizeram o ato com aqueles que podem dar uma contribuição jurídica seria útil, porque devemos ter um ato o mais jurídico possível e resguardar os direitos dos cidadãos o mais possível.

 

Evidentemente, quando o governo quer se armar de poderes para agir em determinadas circunstâncias, o governo não quer também tirar a liberdade de todos, porque, na verdade, isso recai sobre nós mesmos. Porque na verdade, seria tirar de cada um o direito de divergir, e isso nós não podemos ter numa democracia, e teria, naturalmente, um efeito mal perante a opinião pública. A opinião pública quer a ordem resguardada, mas também quer resguardados os direitos daqueles cidadãos que realmente não estão, com seu comportamento, de algum modo causando qualquer embaraço às autoridades. De modo que, no meu entender, senhor presidente, devemos preservar a Revolução, tudo fazer para que ela possa atingir os seus objetivos.

 

Mas acho que dentro do instrumento que Vossa Excelência vai promulgar, pode ser examinado e sinto mesmo que Vossa Excelência não tenha dado, em primeiro lugar, a palavra ao seu ministro da Justiça, porque ele talvez pudesse elucidar as razões que levaram a fazer um documento, a ser o principal redator de um documento com todos esses artigos e parágrafos.

 

Na minha opinião, pois, senhor presidente é esta, sei que estamos diante de uma situação de fato e não de direito, é uma situação terrível para todos nós. Eu devo lhe dizer que quando tomei a responsabilidade de deflagrar o movimento, não me senti tão constrangido como estou neste momento, mas devo lhe dizer que dou toda a solidariedade, não só a Vossa Excelência, como à Revolução porque, na verdade, como homem que naquela hora teve a responsabilidade de deflagrá-la, não desejo vê-la perdida.

 

 

 

 

 

 

Magalhães Pinto foi um dos poucos a falar claramente, naquela reunião em plena sexta-feira 13, de ditadura. Admitiu, citando o vice-presidente Pedro Aleixo, que aquela reunião tratava da instituição de um regime ditatorial _ignorou o fato de a ditadura já existir desde o golpe de 1964.

 

Como ressaltou Elio Gaspari em "A Ditadura Envergonhada", Magalhães Pinto vivia um "desconforto biográfico". Signatário do Manifesto dos Mineiros, primeira manifestação da elite liberal contra a ditadura de Getulio Vargas, em 1943, Magalhães Pinto tentou permear seu discurso favorável ao AI-5 de ressalvas pouco convincentes.

 

Para o ministro das Relações Exteriores, o ato deveria ser o "mais jurídico possível", resguar dando "o direito do cidadão o mais possível". Ora, o AI-5 veio justamente para suspender direitos básicos do cidadão.

 

Além desse contrasenso, esticado por alguns minutos de seu discurso, o político mineiro afirmou: "Acho que ainda é tempo de alguma coisa ser feita para evitar." Na ata da reunião, alterou-se para "acho que é tempo de se fazer alguma coisa para acabar com crises." Mais curioso é o fato de a fraude no relato não alterar o teor do discurso de Magalhães Pinto, que por fim julgava a radicalização do AI-5 necessária.

 

Para o ministro, a reforma constitucional recente não havia sido suficiente para manter a ordem no país. Apesar do constrangimento que disse estar sentindo, ofereceu sua "solidariedade" ao presidente Costa e Silva: como homem que teve a responsabilidade de deflagrar a revolução, disse, não desejava vê-la perdida.