08/12/2006
Paulistanos reencenam caça com falcões
Aves de rapina viram animais de estimação e seus donos simulam em São Paulo rituais de caça disseminados na Idade Média
Proprietários querem que governo regulamente a atividade; criação em cativeiro é permitida, mas a caça é proibida por lei
PAULO DE ARAUJO
SALVATORE CARROZZO
DA EQUIPE DE TREINAMENTO
Ainda de madrugada, falcões encapuzados e um cachorro braco alemão são transportados para um descampado plano povoado de aves para perseguição. Os donos carregam uma parafernalha de falcoaria _caçada com aves de rapina_ e condicionam os falcões a sobrevoar a área enquanto o cachorro reconhece o terreno.
A cena parece tirada do imaginário da Idade Média, mas acontece pelo menos duas vezes por mês em cidades como Araçoaiaba da Serra e Americana, no interior de São Paulo. O que se pratica é uma simulação, já que a caça esportiva é proibida no Brasil. Os falcões são adestrados para praticar vôos livres e voltar para o punho do dono, ao som do apito ou do grito, enquanto o cachorro corre pelo terreno e fareja presas potenciais. O programa dura toda a manhã, antes que o sol fique forte e canse os animais.
João Wainer/Folha Imagem |
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Falcão treinado em simulação de caça em Americana |
Yuri Grecco, André Bizutti e Alexandre Olio são alguns dos poucos adeptos da falcoaria no país. Conhecida há pelo menos 3.000 anos e bem disseminada na Europa medieval, a falcoaria soa mais remota no Brasil, onde não há tradição no assunto e a referência científica é pouca.
Aqui, a história começou com os filmes que romanceavam a Europa medieval. As cenas de águias usadas como armas de caça chamaram a atenção de Guilherme Queiroz, 35, um dos precursores da falcoaria no Brasil e hoje presidente da Associação Brasileira de Falcoeiros e Preservação de Aves de Rapina (ABFPAR).
Isso era por volta de 1982. Queiroz via os filmes e pedia informações sobre falcoaria junto a embaixadas de países como a Inglaterra e os Emirados Árabes. Mandava cartas e, às vezes, demorava três meses até ter uma resposta.
Hoje, além da ABFPAR, existem duas outras associações de falcoeiros no Brasil: a Associação Paulista de Falcoaria (APF) e a Associação Mineira de Falcoaria (AMF). No orkut, a comunidade Falcoaria Brasil tem 747 membros e dezenas de tópicos de discussão, mas os adeptos "sérios" da prática se "contam nos dedos", diz o engenheiro André Bizutti, 31, presidente da APF.
A falcoaria demanda tempo, especialmente no trato das aves, mas também envolve tarefas à parte. Grecco, por exemplo, mantém uma cultura paralela de camundongos para alimentar seus dois animais e gasta cerca de uma hora e 30 minutos por dia na lida da falcoaria. Alguns equipamentos, como as correias e o capuz para as aves, são confeccionados pelo próprio falcoeiro.
O treino das aves de rapina até que possam voar livremente leva entre 25 e 30 dias. O primeiro passo é o amansamento, em que a ave passa a se acostumar com a presença do falcoeiro. Em seguida, vem uma série de exercícios de vôo para o punho ou partindo de árvores.
A última etapa é no campo aberto, com uma isca artificial (lure) que mimetiza as presas do rapinante e é girada no ar pelo falcoeiro. Em dois meses, o animal está pronto para praticar falcoaria. Durante o adestramento, a ave de rapina é submetida a uma dieta para que alcance o peso certo para voar.
Falcoaria moderna
As técnicas da falcoaria moderna podem ser empregadas no controle de pragas e na reabilitação das aves de rapina.
De acordo com Thomas Romig, gerente de segurança da Conselho Internacional de Aeroportos (ACI), em alguns casos a falcoaria é empregada como uma solução de segurança nos aeroportos. Por serem predadores de outras aves, falcões e gaviões podem ser treinados para afugentar pássaros que oferecem risco de colisão com aeronaves.
Conforme manual do ACI sobre prevenção de acidentes envolvendo aves em regiões aeroportuárias, porém, o método "é complicado e custoso", além de trazer um possível efeito contrário e aumentar o risco de colisões com os pássaros.
Apesar da advertência, o belga Patrick Morel, que acaba de deixar a presidência da Associação Internacional de Falcoaria (IAF), diz que há falcoeiros trabalhando em aeroportos de pelo menos dez países europeus. "Temos experiências bem-sucedidas, na Espanha especialmente, em que houve redução drástica de incidentes entre aves e aeronaves."
No Brasil, em 2005, o Cenipa (Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos) registrou 480 colisões contra 441 no ano anterior.
Ainda sem regulamentação no Brasil, a falcoaria á praticada apenas como hobby e não há projetos para que seja empregada em aeroportos.
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