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Novo em Folha 42ª turma
12/09/2007

Usinas do Madeira turbinam Rondônia

*DO ENVIADO ESPECIAL A RONDÔNIA *

O anúncio da construção das hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau no rio Madeira, em Rondônia, já provoca uma nova "corrida do ouro" na região.
Há um boom de novos empreendimentos imobiliários e de preços -valorização de até 30%- na capital, Porto Velho, investimentos de empresas e comércio e corrida contra o relógio para treinar a mão-de-obra local, 36% dela desempregada ou dependente de empregos extremamente precários.
Com 380 mil habitantes e apenas 3% das residências atendidas por rede de esgoto e menos de 45% contando com água encanada, Porto Velho teme um inchaço explosivo de mais de 100 mil pessoas (25% a mais) em sua população. Hoje, a cidade tem apenas um hospital e um pronto-socorro.
A expectativa é que milhares de pessoas corram atrás de um emprego nas duas maiores obras programadas no governo Lula. Juntas, as usinas devem consumir até R$ 28 bilhões em investimentos para gerar, a partir de 2013, 6.450 MW de energia e tentar tirar o país da rota de um novo apagão.
Centenas de famílias também devem ser removidas de algumas localidades próximas ao rio Madeira. O povoado de Mutum, a 165 km ao sul de Porto Velho e com 400 famílias, deve desaparecer completamente das margens da BR-364.

Famílias removidas
Bem próximo a Porto Velho, outras centenas terão de deixar áreas na beira do rio onde residem praticamente por toda a vida. Todos terão de ser acomodados em moradias que ainda não existem. No total, cerca de 4.000 pessoas devem ser desalojadas por duas represas.
Por causa da sua água barrenta e cheia de sedimentos, não haverá grandes represas no Madeira para as usinas, que poderiam "entupir" por causa do acúmulo de lama.
Pelo projeto, a posição das turbinas será na horizontal, usando o fluxo do rio para movimentá-las. Por isso, as duas represas devem ocupar, no máximo, uma área de 200 km2. A represa de Sobradinho (BA) tem, por exemplo, 4.200 km2. A de Itaipu (PR), 1.350 km2.
A pesca, principal fonte de recursos da população mais carente e vital para Porto Velho, também deve ser afetada pelo represamento em dois pontos distintos do largo, profundo e barrento rio Madeira. Cerca de 3.000 quilos de peixe são tirados diariamente do rio.
O garimpo, que ainda atrai milhares de profissionais, aventureiros e desempregados, também será afetado. Hoje, estima-se que 300 dragas e quase 1.000 balsas operem nessa atividade no Madeira, onde mergulhadores descem a mais de 30 metros, em plena escuridão, com mangueiras de ar na boca e cintos de chumbo, para sugar terra, e ouro, do leito do rio.
A usina de Santo Antônio, a primeira a ser construída, ficará a apenas alguns quilômetros ao sul de Porto Velho. A de Jirau estará ainda mais ao sul, a 170 km da capital e no caminho para a Bolívia, de onde vem o sentido da corrente do rio.
O leilão público para a escolha do grupo que irá tocar as obras do Madeira ocorrerá nos próximos meses, mas é clara a preponderância nos contatos com as famílias do consórcio formado pela privada Odebrecht e a pública Furnas.
Para tentar minimizar os estragos do inchaço iminente e tentar tirar proveito das usinas, as autoridades de Rondônia já iniciaram uma ambiciosa operação de treinamento de mão-de-obra e captação de recursos federais para infra-estrutura.
Em julho, o governo Lula anunciou R$ 645 milhões do PAC (Plano de Aceleração do Crescimento) para Rondônia. Porto Velho, governada pelo PT, foi um dos municípios que mais receberam dinheiro no país na proporção per capita. Ficou com R$ 500 milhões para saneamento e moradia.
Convênios com o Ministério do Trabalho e instituições como Sesc e Senai pretendem também aplicar outros R$ 9,8 milhões para treinar 25 mil pessoas em atividades ligadas à construção das usinas e nos serviços de seu entorno.
Para se inscrever, milhares de rondonienses chegaram a ficar 48 horas em filas nas últimas semanas. Muitos dos que não conseguiram uma vaga para cursos como de mecânico ou soldador acabaram pagando viagens do próprio bolso para buscar treinamento em locais tão distantes como São Paulo.

*Porto Velho treina 25 mil em 2 anos para atuarem nas obras *

DO ENVIADO A RONDÔNIA

Administrado pelo PT, Porto Velho é um dos municípios que mais receberão verbas do PAC em termos per capita em 2007. Foram liberados R$ 500 milhões (duas vezes o Orçamento anual da cidade) para saneamento e infra-estrutura.
Porto Velho nasceu em 1907 como "porto velho dos militares", referência a uma guarnição que acampara no local durante a Guerra do Paraguai (1864-1870). Passou depois a ser usado para descarregar material na construção da estrada de ferro Madeira-Mamoré.
Iniciava-se o ciclo da borracha, e a ferrovia, que o Estado pretende recuperar com a construção das usinas, foi a espinha dorsal do plano de escoamento e exportação do produto dos seringais. Mais de 70 anos depois, Porto Velho viveria um segundo ciclo, o do ouro.
Carlos de Oliveira Silva, diretor do Departamento de Trabalho, é responsável por coordenar o Planseq, que envolve 70 cursos profissionalizantes e 12 diferentes instituições, como o Sesc e o Sesi, e um programa de aumento da escolaridade.
Segundo ele, o plano é treinar 25 mil pessoas em dois anos utilizando cerca de R$ 10 milhões em verbas federais, municipais e da empresa que vencer o consórcio para a construção das usinas. A prioridade é dada a desempregados e beneficiários de programas sociais.
Durante as inscrições, 16 mil pessoas chegaram a passar 48 horas nas filas. Maria de Jesus, 30, separada e mãe de três filhas, deixou o namorado ali um dia inteiro para conseguir vaga em um curso de informática.
Alex Melo Pereira, 27, não teve a mesma sorte. Depois de não conseguir vaga para o curso de soldador, pegou dinheiro da família e foi de ônibus a São Paulo para tomar aulas, a R$ 180 por mês, para se aperfeiçoar. "Depois de seis anos no garimpo, quero essa oportunidade com as usinas", diz.
Ainda praticamente horizontal, Porto Velho está presenciando cerca de 40 edifícios serem erguidos no momento, a maioria residenciais.
Com a expectativa de mais trabalho e salários no horizonte, a maior rede de supermercados local, a Gonçalves, também se prepara para abrir uma sexta loja em Porto Velho até o final do ano. Empregando 900 funcionários, o dono da rede, José Gonçalves, afirma que o novo investimento já era necessário, mas que a chegada das obras tornou-o prioritário.
"Estamos nos preparando e espero que toda essa movimentação acabe ajudando o povo que já está aqui, e não quem deve vir de fora", diz Gonçalves.

4.000 habitantes devem ser desalojados devido à formação de lagos para usinas

DO ENVIADO A RONDÔNIA

Cerca de 400 famílias terão de ser removidas do vilarejo de Mutum, a 165 km ao sul de Porto Velho. A área será completamente inundada pela usina de Jirau, que deve começar a ser construída quando a de Santo Antônio ainda estiver pela metade. No total, as duas usinas devem desalojar 4.000 pessoas.
O casal Alcides Lima e Maria Uchôa mora e tem um salão de cabeleireiro improvisado sobre uma palafita à beira da BR-364, que corta Mutum. Eles são alguns dos que serão removidos.
Como não se trata de um terreno, mas de uma área suspensa sobre pedaços de madeira com um igarapé atrás, eles não têm a menor idéia se são elegíveis para alguma indenização.
Alcides é garimpeiro no rio Madeira e quebrou o braço trabalhando em uma draga flutuante. Está nessa vida desde 1982, onde já chegou a mergulhar no fundo escuro do rio barrento, com uma mangueira de ar na boca e sugando lama por um duto, por períodos de até cinco horas sem emergir.
Em Porto Velho, outras centenas de famílias também serão afetadas e removidas por causa da usina de Santo Antônio. Bem próxima à região do "Cai n'água", onde fica a cooperativa de pescadores da cidade, toda a família de Floriza Santos de Sá, 56, terá de deixar o local.
São 17 pessoas que dormem todas juntas em um barraco de madeira de 35 m2 construído sobre um terreno do qual não têm nenhum documento de posse. São só mulheres e crianças. Os maridos das duas filhas de Floriza, Rosenilda, 30, e Rosineide, 34, "sumiram para o Amazonas" há anos e deixaram dez filhos para trás.
A única fonte de renda desse pessoal são R$ 175 ao mês recebidos do Bolsa Família por Rosenilda e Rosineide. Entre os 13 núcleos familiares entrevistados pela reportagem, seis recebem o benefício federal, 12 demonstraram aprovação ao governo Lula e a esmagadora maioria dos seus membros votou no PT na eleição de 2006.
Em 2004, Porto Velho tinha 8.000 pessoas atendidas pelo Bolsa Família. Hoje, são 22 mil, e há outras 4.000 na fila para ingressarem no programa.

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