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Novo em Folha 46ª turma
11/12/2008

Polícias militares ainda adotam leis da ditadura

GISELE LOBATO
NANCY DUTRA
DA EDITORIA DE TREINAMENTO

Nove das 27 polícias militares do país ainda adotam normas copiadas do Exército durante o período mais duro do regime militar, após 1968. Levantamento obtido pela Folha revela que os mais de 20 anos de redemocratização não bastaram para atualizar os regulamentos disciplinares das PMs de Santa Catarina, Bahia, Rio Grande do Norte, Roraima, Amapá, Amazonas, Acre, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.

Os regulamentos disciplinares -que definem direitos, deveres e punições às faltas dos policiais- levantados pela Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) contêm artigos que ferem a ampla defesa do policial, determinada pela Constituição de 88.

O desrespeito aos direitos começa dentro da corporação. Em pelo menos sete Estados, quem se envolver em uma falta só será ouvido se o responsável considerar "necessário".

As transgressões reunidas nos documentos também avançam sobre a liberdade e a intimidade dos PMs. Pelo regulamento baiano, o policial precisa pedir autorização para se casar. Também é proibido passear pelas ruas depois das 22h "sem permissão escrita da autoridade competente".

No Acre, Mato Grosso do Sul, Amazonas e Rio Grande do Norte, mulheres que usarem, uniformizadas, cabelos de cor diferente da natural, não estão de acordo com a ordem. Até contrair dívidas, "comprometendo o bom nome da classe", é passível de punição.

Para Ignacio Cano, do Laboratório de Análise da Violência da Uerj, o tratamento arbitrário pauta a atuação do PM. "Se ele é humilhado e punido injustamente, não podemos esperar que vá para a rua e trate as pessoas com gentileza."

"Esses códigos são insuficientes para assegurar que a ação policial respeite os direitos do cidadão", afirma Cristina Neme, do Núcleo de Estudos da Violência da USP. Para a pesquisadora, os documentos herdados da ditadura priorizam a hierarquia e a disciplina em detrimento das garantias constitucionais.

No período militar, os regulamentos disciplinares replicavam a mentalidade do regime. "A ditadura instrumentalizou as polícias como um prolongamento do Estado para combater os inimigos", diz André Vianna, assessor do CICV (Comitê Internacional da Cruz Vermelha).

A responsabilidade de adaptar os regulamentos disciplinares à Constituição de 88 é dos Estados. A Carta determina que a polícia deve agir em sintonia com os direitos humanos, mas não estabelece como. A legislação nacional específica tampouco, pois não foi modificada após o fim da ditadura.

Vácuo legal

Um desses entulhos jurídicos é o decreto-lei nº 667, de 2 de julho de 1969, assinado pelo presidente Arthur da Costa e Silva com base nos poderes atribuídos pelo AI-5. O documento -ainda em vigor- organizou as polícias militares e estabeleceu que os regulamentos disciplinares deveriam ser redigidos "à semelhança" dos documentos do Exército, com as adaptações necessárias.

Sem o amparo de uma legislação "guarda-chuva", os Estados começaram, por conta própria, a atualizar suas doutrinas. Em São Paulo, uma lei de 2001 instituiu que violações aos direitos humanos são agravantes às faltas cometidas pelos PMs.

As polícias dos Estados que ainda não revogaram as leis que vieram da ditadura afirmam caminhar na mesma direção. Santa Catarina e Mato Grosso já concluíram projetos de reformulação, e a Bahia diz que as normas em desacordo com a Constituição não são mais aplicadas. Todas apontaram a necessidade de mudança.

Colaborou CLAUDIO DANTAS SEQUEIRA, da Reportagem Local

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