Treinamento
07/07/2009 - 20h53

Internet é arma para preservar língua

JOSÉ ORENSTEIN
da Editoria de Treinamento

Riga faz o rarãj ke jyjy com sua isupe, depois faz um ty nag ké para nén u rán na kanhgag jógo. Tradução: Júlio Pedroso faz o login com sua senha, depois faz um clique para inserir conteúdo na rede caingangue.

Júlio, ou Riga, como é conhecido na aldeia em que é professor indígena em Nonoai, no Rio Grande do Sul, foi um dos participantes da última oficina dos índios caingangues para aprender a navegar na internet e a alimentar o site do seu povo.

Um dos principais desafios foi encontrar uma tradução adequada para os termos específicos do mundo virtual. Após decisão dos próprios caingangues, é proibida a publicação de qualquer texto em português na página.

A oficina faz parte do projeto Web Indígena, que visa preservar as línguas indígenas tornando-as úteis aos seus falantes. O projeto vem sendo desenvolvido pelo linguista da Unicamp Wilmar D'Angelis em parceria com a ONG Kamuri desde julho de 2008.

"O importante para uma língua sobreviver é que ela abra portas na vida prática das pessoas. Se todas as portas passam a ser abertas apenas com a chave da língua portuguesa e se a língua indígena não produzir conhecimento novo, ela tende a cair em desuso, a se perder", afirma Wilmar.

O site foi elaborado por Wilmar e sua equipe, mas, desde o primeiro encontro com dezenove representantes caingangue em dezembro de 2008, ele vem sendo administrado também pelos índios.

Selvino Amaral, ou Kókáj, participou das três oficinas realizadas até agora. Na última, ocorrida em Iraí (RS), ele atuou como monitor.

"Como usuário e como gestor da página estou gostando muito. O projeto veio ao encontro das nossas necessidades. Os computadores estão chegando às escolas e é preciso que a nossa língua seja usada", afirma Selvino, que já tem um blog pessoal (www.formal.blog.br/ selvino) no qual publica em caingangue e em português.

Palavras cruzadas

Nas oficinas, além de definir a tradução de termos técnicos da informática, os índios estão aprendendo a gerir a página e inserir conteúdos como fotos e vídeos. A ideia é que o site também seja um meio de comunicação entre os caingangues, que estão dispersos por mais de 30 terras indígenas demarcadas pela Funai.

Espalhados em aldeias pelo sul do país, eles constituem um dos maiores povos indígenas no Brasil, com cerca de 30 mil pessoas. Desses, estima-se que 60% usem o caingangue como primeira língua, segundo o linguista Wilmar.

É uma porcentagem que coloca o caingangue em risco, segundo classificação da Unesco. Ainda assim, se comparada à situação de outros povos indígenas, a língua não é das mais ameaçadas. Por isso, para os caingangues é melhor prevenir do que remediar.

"Os conhecimentos vão passando somente pela via oral; então, se ficar guardado na internet, por escrito, os mais jovens vão poder sempre consultar a nossa língua, que não é falada além das comunidades", afirma Júlio Pedroso.

"Se a internet for apenas um veículo para o português e o inglês, ela vai ser mais um elemento que restringe o uso da língua indígena", lembra Wilmar. Se depender dos caingangues, seu idioma está a salvo.

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