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Sono
04/12/2004

Íntegra: Pesquisador diz que psicanálise se engana

Para cientista, significado dos sonhos é óbvio e dispensa interpretações sofisticadas

CLOVIS CASTELO JUNIOR
Da equipe de trainees

Todo o conceito da simbologia dos sonhos é um erro. Eles são estranhos porque é como o cérebro é ativado

A interpretação de sonhos no processo terapêutico, como faz a psicanálise, é um erro, diz um dos mais comentados neurocientistas americanos dedicados ao estudo do sono e dos sonhos, James Allan Hobson.

Psiquiatra e professor da Escola de Medicina da Universidade Harvard (EUA), Hobson se destaca, desde o final da década de 70, como um crítico persistente da teoria psicanalítica clássica sobre os sonhos.

Sua própria teoria, chamada "hipótese da ativação-síntese", foi elaborada a partir de observações do funcionamento cerebral.

Segundo essa teoria, os sonhos seriam um produto da intensa atividade do cérebro durante o sono e de estímulos que sensibilizariam regiões específicas do córtex responsáveis pelas emoções.

Os sonhos não teriam, então, nenhum significado oculto e seriam semelhantes aos delírios.

Hobson defendeu suas teses em livros como "The Dreaming Brain" ("O Cérebro Sonhador") e "Dreaming as Delirium" (O sonho como delírio), dentre outros.

Recentemente, entretanto, ele revisou parte de sua antiga teoria e passou a admitir que os sonhos têm algum significado, mas que estes são óbvios e não precisariam de uma interpretação sofisticada.

Hobson, no entanto, também enfrenta muitas críticas dentro da própria comunidade científica, como as do neuropsiquiatra sul-africano Mark Solms (leia entrevista ao lado) que argumenta que as descobertas recentes não podem descartar completamente a teoria freudiana sobre a psique.

Pesquisador reconhecido e escritor prolífico (mais de dez livros publicados), Hobson falou, por telefone, de seu escritório em Harvard, à Folha sobre a função dos sonhos.

Folha - O que são os sonhos?
Allan Hobson - São experiências psicológicas subjetivas que ocorrem durante o sono regular. O fato científico interessante está na intensidade dos aspectos dos sonhos que estão relacionados à atividade cerebral.

Se há uma grande atividade durante o sono, o cérebro se torna altamente ativado e começamos a ver coisas como se estivéssemos num cenário de filme.

Normalmente se pensa que, durante o sono, o cérebro está apagado como uma lâmpada, mas não é verdade. Mesmo quando dormimos, 80% do cérebro permanece ativo.

Sabemos que a inconsciência funciona num alto nível de atividade cerebral. As memórias, entretanto, são um indicador muito pobre do que acontece. Então precisamos estudar as pessoas em estado de vigília.

Folha - Qual é a função do sonho para o organismo humano?
Hobson - Sonhar parece não ser altamente essencial para a sobrevivência. Tanto assim que há pessoas que nunca se lembram de seus sonhos e vivem bem. Poderíamos dizer que sonhar ajuda a entendermos melhor a nós mesmos. Isso não é essencial para a sobrevivência.

Entretanto, quando observamos o sono REM de outros mamíferos (algo que compartilhamos com eles), percebemos que os sonhos são importantes para o controle de temperatura corporal. Mas aí já é outra história. É uma questão de vida ou morte. Afora isso, eu acho que sonhar provavelmente não tem outra função relevante.

Folha - Os sonhos têm algum significado?
Hobson - Todo o conceito da simbologia dos sonhos é um erro. Sonhos são estranhos porque esse é o jeito que o cérebro é ativado. Mas isso não significa que eles não tenham significados. Fatores emocionais das pessoas são muito bem refletidos no conteúdo dos sonhos. Mesmo que eles pareçam um pouco malucos, indicam um estímulo emocional.

Nesse sentido, Freud estava certo, pois rememorar sonhos é rever fatos emocionais. E vê-los em sonhos talvez seja mais evidente do que quando acordados. Mas a idéia freudiana sobre significados ocultos não tem sentido.

Folha - O relato de sonhos seria inútil em um contexto terapêutico?
Hobson - Eu não diria que é inútil, mas que os sonhos não são tão significativos como as pessoas acham. Eu sou um terapeuta e falo bastante sobre sonhos com meus pacientes. Eu falo com minha família sobre os meus. É uma boa maneira de descobrir as causas de ansiedade nas pessoas, por exemplo. Mas a maior parte das coisas que podem nos deixar ansiosos nós já conhecemos. Ficamos ansiosos por perdermos reuniões, por chegarmos no horário, com o modo adequado de nos vestir etc.

Eu tenho colecionado sonhos por 30 anos, tenho centenas de relatos. E não acho que eles sejam tão fundamentais. Exceto, talvez, para um melhor entendimento da dinâmica do cérebro.

Folha - É verdade que alguns neurocientistas passaram a olhar com interesse a abordagem de Carl Jung para os sonhos ?
Hobson - É verdade. Acho que os junguianos vão gostar disso... Mas o problema é que Jung ficou mais louco que Freud. Acho que a sua visão sobre sonhos é mais razoável, mais realista. Mas não considero válido o que ele disse sobre anima, sombra, self...

Folha - Qual é sua opinião sobre as teses de Mark Solms, que tenta dar validade científica para as estruturas freudianas?
Hobson - Ele é um psicanalista, o que mais posso dizer? Uma vez jesuíta, sempre jesuíta. Entretanto é importante dizer que seu trabalho é bem interessante. Especialmente útil por suas descobertas com o uso do PET-Scan [tomografia por emissão de pósitrons, técnica que permite fazer imagens do cérebro em funcionamento], que contribuíram muito no entendimento das estruturas cerebrais essenciais para o sonho.

O problema é a interpretação. Ele quis misturar com psicanálise, de maneira bem intencionada.Mas acho tolice, francamente.
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