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12/10/2007

TORTURANDO OS NÚMEROS

da Folha de S.Paulo

Este texto foi publicado originalmente pela Folha em 26/9/2007 (http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc2609200703.htm) e está reproduzido aqui para ilustrar post do blog Novo em Folha
Texto protegido por copyright

Números selecionados ajudam discurso
MARCELO LEITE
COLUNISTA DA FOLHA

Em seu discurso na ONU, o presidente Lula apresentou-se mais como um mascate dos biocombustíveis -álcool combustível à frente- do que como estadista da onda verde global. Bom vendedor, usou números corretos, mas selecionados, e lhes deu a interpretação mais favorável ao produto nacional.
Primeiro, a Amazônia. Lula destacou, como não poderia deixar de fazer, a redução do desmatamento em 50% durante seu primeiro mandato. É um feito e tanto, para ambientalista inglês nenhum deixar de ver.
Só que essa desaceleração toma por base a área desmatada recordista de 2004, 27 mil km², a segunda maior já registrada (em 1995, havia sido de 29 mil km²). Baixar a um patamar de 10 mil km² constitui boa notícia, mas isso ainda é meio Sergipe -num único ano.
O presidente defende que países mais ricos compensem financeiramente o Brasil e outras nações que consigam reduzir o desmatamento. Parece oportuno, tendo em vista que essa fonte responde por cerca de três quartos das emissões nacionais de gases do efeito estufa causado pelo homem. Na conta planetária, por quase um quinto do aquecimento global.
Sem um mecanismo de mercado, porém, é improvável que países desenvolvidos ponham a mão no bolso. Só o farão se ganharem com isso créditos de carbono, ou seja, abatimentos nas reduções de emissões que se obrigaram a fazer por força do Protocolo de Kyoto (e outras que venham por aí, para o segundo período do tratado, depois de 2012). O Brasil resiste. Prefere um edificante fundo voluntário. Lula promove os biocombustíveis, mas não quer ser acusado de "vender" a Amazônia -daí sua referência a não abdicar da soberania brasileira sobre a região.
Seu item principal de venda, o álcool, enfrenta objeções ético-ambientais similares. Críticos como o mui companheiro Fidel Castro acusam o biocombustível de cana de tomar terras da produção de alimentos. Há temor de que os preços internacionais de grãos fiquem altos por muitos anos, piorando a vida dos pobres do mundo.
Receia-se ainda que a expansão da cana destrua habitats naturais. Lula descartou a objeção afirmando que "a experiência brasileira de três décadas mostra que a produção de biocombustíveis não afeta a segurança alimentar". Assegurou que "cana-de-açúcar ocupa apenas 1% de nossas terras agricultáveis".
Não está errado, mas é impreciso: a cana para produção de álcool toma 1% da área, segundo a Única (União da Indústria de Cana-de-Açúcar). Se for incluída aquela destinada ao açúcar, dobra.
Isso, claro, se for aceita a premissa de que no Brasil há 340 milhões de hectares de terras agricultáveis. Dá 40% do território nacional, o que soa exagerado. Considerada só a área de fato cultivada, a cana provavelmente já ultrapassa 10% e vai continuar crescendo.
Lula caprichou também no benefício ambiental do álcool: o biocombustível teria evitado em três décadas a emissão de 644 milhões de toneladas de CO² (principal gás do efeito estufa). É um número razoável. Mas só a redução do desmatamento, em um décimo do tempo, economizou mais do que isso, uns 800 milhões de toneladas de CO².
Mesmo que a cana venha a ocupar apenas pastagens, como alegam canavieiros, os bois terão de comer capim em algum lugar. É na Amazônia que mais cresce a pecuária bovina nacional.
Lula acenou com um "completo zoneamento agroecológico" para afastar esse cenário, mas precisa se apressar. Caso contrário, o desmatamento voltará a subir. Aí seu produto dirá adeus ao "selo que garanta suas qualidades sociolaborais e ambientais" -se este não se revelar só mais uma promessa de vendedor.

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