22/06/2004
Íntegra: Entrevista com Rodrigo Bressan
Entrevista - Rodrigo Bressan, psiquiatra, professor da pós-graduação do Departamento de Psiquiatria da Unifesp e membro do Laboratório de Cognição e Neuroimagem da Unifesp
Folha - Fale sobre o mecanismo da dependência? O que caracteriza o vício?
Bressan - O fundamental é que a pessoa não consiga inibir o impulso de querer a recompensa (a liberação de dopamina, no sistema de recompensa) o tempo inteiro. O "negócio" fica tão bom que a pessoa perde o controle órbito-frontal (região do cérebro responsável pelo controle dos impulsos). Isso é o "vício". Tolerância e abstinência são conseqüências desse processo. Antes de chegar a existir tolerância e síndrome de abstinência, há uma deficiência no controle. Esse é o ponto mais importante e o que caracteriza o vício.
O vício é a perda do controle sobre o impulso de querer a substância. Veja, querer todo mundo quer. O que acontece é que umas pessoas pesam os prós e contras e conseguem inibir o impulso, caso existam mais contras; outras não conseguem inibir. Eis o vício. E não conseguem por várias razões. Mas a questão mais importante é o controle do impulso. Esse é o aspecto geral da adição.
Não precisa ter tolerância e abstinência para ser dependente. Basta não conseguir controlar o impulso.
Folha - Por que umas drogas "viciam" mais do que outras?
Bressan - Acho que podemos dizer o seguinte. O potencial de adição das drogas está ligado à capacidade de gerar abstinência e tolerância. A droga precisa fazer a pessoa não controlar seus impulsos. Quanto mais uma droga gerar tolerância e abstinência, maior é a chance de uma pessoa não conseguir controlar seu impulso de querer mais droga. Algumas drogas também ativam o sistema de recompensa de forma mais forte do que outras. Daí uma maior ou menor dificuldade de controlar o impulso. E esta dificuldade está muito ligada aos aspectos sociais, ambientais, psicológicos, genéticos etc.
Folha - O que é a tolerância?
Rodrigo Bressan - A sensação obtida pelo corpo é igual ou menor com uma quantidade maior de droga. Essa é a tolerância. A tolerância pode ser dopaminérgica ou de outros neurotransmissores. Do ponto de vista da adição (vício), o fundamental é que o prazer diminui. Mas isso nem sempre ocorre na via dopaminérgica. Por exemplo, os opióides, a maconha e a cafeína agem em outros receptores. O efeito final é menos dopamina no cérebro, mas não necessariamente por adaptações no sistema dopaminérgico. Outros receptores também desenvolvem tolerância.
Folha - E a abstinência?
Bressan - O corpo se acostuma com a presença elevada de uma substância (por exemplo, uma droga) e passa a funcionar com esse nível elevado. A ausência da droga faz com que o corpo não consiga funcionar da mesma forma. O corpo sente falta.
É legal destacar que a dopamina está presente em outros setores, e não apenas nesse mecanismo de prazer. Na coordenação motora, por exemplo. As pessoas precisam de dopamina para ter uma coordenação normal. No entanto, quando o corpo se adapta à presença da droga, pode ser que o número de receptores dopaminérgicos tenha diminuído, ou que a sensibilidade desses receptores tenha diminuído. Assim, na ausência da droga, o corpo não tem a quantidade de dopamina suficiente para satisfazer o sistema adaptado. Daí vêm os sintomas, que se manifestam no corpo inteiro.