Turismo

Parintins

Fotos Caio Vilela
Representação de tribos no desfile do Garantido e barcos em Parintins (AM)

ANA LÚCIA BUSCH
Diretora-executiva da Folha Online
CAIO VILELA
Especial para a Folha Online

Sobrevoar a floresta amazônica de Manaus a Parintins ou seguir de barco os 420 km que levam até o palco de umas das festas mais tradicionais do Brasil dá só uma pequena pista do que existe escondido nos confins da mata, entremeada por rios que parecem não ter fim.

Na chegada, a ilha de Tupinambaranas, mergulhada no rio Solimões, abriga a cidade de beleza única, mas dividida ao meio entre o vermelho e o azul, as cores dos bois Garantido e Caprichoso, personagens de uma batalha anual que mobiliza os moradores em torno da encenação do boi-bumbá. A paixão pelo boi, que também se expressa nas casas, unhas das mulheres e roupas, pintadas nas cores do boi preferido, chega ao auge em junho, durante o Festival Folclórico de Parintins.

E boi por ali não é só a representação de pano que entra em cena para levantar a arquibancada como em uma final de campeonato, mas todo o conjunto folclórico das agremiações, as alegorias, as representações de lendas indígenas, a música e a dança. A rivalidade entre os dois times que fazem a festa é antiga e remonta aos trovadores repentistas de duas famílias locais, que entoavam canções para desafiar o adversário, inspirados na tradição vinda do Maranhão.

Festival

O festival, sempre nos dias 28, 29 e 30 de junho, independentemente do dia da semana, atrai mais de 50 mil visitantes todos os anos. Reúne no Bumbódromo -o palco da festa- mais de 3.000 integrantes de cada um dos grupos quase centenários que disputam a preferência de seus conterrâneos desde a década de 60.

E nesses três dias, os bois do Garantido e do Caprichoso deixam seus "currais" -espécies de quadras de escolas de samba- para viver um enredo simples, inspirado na história da morte do boi mais bonito da fazenda, sacrificado pelo personagem Pai Francisco, que pretende roubar-lhe a língua para satisfazer os desejos de gravidez de sua mulher, Mãe Catirina. Perseguido pelo patrão e dono do animal, Pai Francisco se esconde entre os índios, enquanto o dono da fazenda tenta ressuscitar o boi -o que só acontece com a ajuda do pajé. Com o boi de volta à vida, Pai Francisco está salvo, e a festa continua.

Na arena folclórica, diante de mais de 30 mil pessoas, desfilam ainda outras figuras saídas do imaginário caboclo, como o Gigante Juma, a Cobra Grande, o Boto, o Curupira. Tudo preparado cuidadosamente durante meses, para ser revelado em três espetáculos completamente diferentes, em dias consecutivos, fazendo a glória dos habilidosos artesãos locais. A festa de estrutura rígida, em que as lendas e rituais indígenas e figuras regionais são quesito obrigatório, mostra a riqueza da cultura e do folclore amazônicos, capazes de oferecer assunto para mais de 30 anos de espetáculo.

Durante a festa, alegorias entram no Bumbódromo aos pedaços, para que possam passar pelos portões estreitos, e formam seu quebra-cabeça sob os olhares incrédulos dos visitantes diante da grandiosidade das peças, que chegam a ter 30 metros de altura. Cada uma delas vai ser palco para um novo ato dessa verdadeira ópera da selva, representando as cenas do boi.

Iluminadas com rigor cênico, com luz que muda de foco, cor e intensidade, as alegorias mecanizadas se desdobram, voam, andam, gritam e abrigam uma multidão de atores locais encenando lendas e pajelanças. Ao redor, centenas de figurantes envolvidos por fumaça colorida desenvolvem suas coreografias em vestes luxuosas, feitas com plumagens, juta, cipó e sementes nativas.

Música

Tudo isso ao som dos tambores -levado por mais de 400 ritmistas- e de ao menos uma dezena de toadas, que ajudam a espantar a monotonia. Sempre com o acompanhamento da "galera", que, em Parintins, mais que uma gíria para tratar a torcida, é uma das 22 categorias em julgamento. Sua participação vale pontos preciosos na disputa, e a torcida defende suas cores ao agitar os braços, balançar bandeiras, acenar com "luvas" de plástico colorido e acender candeias conforme a história se desenrola.

Mas quando entra em campo o boi do "contrário" -como os habitantes da cidade se referem ao adversário, evitando dizer seu nome-, o silêncio é absoluto. Por três horas, mais de 15 mil pessoas se calam, em outro momento impressionante. Ninguém diz nada, não há qualquer movimento, vaia ou aplauso. Se a "galera" se manifesta durante a apresentação do rival, sua equipe perde pontos na contagem dos jurados.

Ao longo desse espetáculo a céu aberto, um apresentador narra tudo que se passa na arena e aponta o item que está em julgamento, animando o público. Entra em êxtase quando surge o boi de pano, em uma aparição apoteótica do alto de uma das alegorias. Dentro dele vai o "tripa", que por mais de duas horas, pula e dança carregando nas costas o personagem principal da festa.

Originalmente uma brincadeira só para homens, hoje a festa do boi exibe mulheres com traços indígenas e caboclos na pele da Sinhazinha da Fazenda -a filha do dono do boi-, da Porta-Estandarte, da Rainha do Folclore, da Cunhã Poranga -moça bonita na língua dos índios da região.

Marketing

Nas ruas, os telefones públicos têm a forma do boi, os postes de luz e as placas de trânsito são pintados de azul e vermelho, dividindo as torcidas geograficamente, como se se tratasse de duas cidades. A lata de cerveja tem duas cores, e o calor de uma das torcidas conseguiu até mesmo transformar uma das marcas mais consagradas do mundo, a Coca-Cola. Outdoors espalhados no lado Caprichoso da cidade trocam o tradicional vermelho e branco do patrocinador oficial pelo azul da "galera" local.

Com pouca infra-estrutura, a cidade lota no período da festa. Quase não há oferta de hospedagem, e muita gente se amontoa nas redes esticadas nos barcos ancorados na margem do rio. Nos bares e pequenos restaurantes, multidões se acotovelam. O Bumbódromo já não acomoda mais todo mundo que quer participar, e telões espalhados pela cidade servem de consolo para quem não conseguiu ingresso.

Fora dos festivais, Parintins é uma cidade pacata, visitada de quando em quando por navios luxuosos de cruzeiro, como parte de suas rotas no mar do Caribe. O boi só aparece aos sábados, nas festas organizadas em cada um dos currais. Mas a paisagem da floresta de várzea, da mata de terra firme e das inúmeras ilhotas e praias de rio já é suficiente para criar o cenário perfeito para uma aventura amazônica, que sempre acaba no porto lotado de embarcações típicas regionais. É sempre um espetáculo caprichoso, de brilho garantido.

Ana Busch e Caio Vilela viajaram a convite da Gol Linhas Aéreas e da Secretaria de Cultura, Turismo e Desporto do Estado do Amazonas.

Apoio:
Vôos:
  • São Paulo (Congonhas) - Manaus: diário - vôo 1604, que decola às 21h50 e pousa às 2h; sábado e domingo - vôo 1644/1604, que decola às 21h14 e pousa às 2h
    Manaus - São Paulo (Congonhas): de segunda a sábado - vôo 1601, que decola às 2h30 e pousa às 8h37; domingo - vôo 1607, que decola às 2h30 e pousa às 8h37. Quanto: R$ 452,00



    Consulte também:
  • Boi Garantido
  • Dicionário do Boi

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