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21/04/2003
-
04h34
da enviada especial da Folha de S.Paulo ao Pantanal
Sentados à beira de um lago, observados por um pacato jacaré, os peões tomam tereré e contam os causos de seus encontros com as onças e com as almas.
A cena se repete constantemente para os homens que lidam com o gado no Pantanal. É o momento do descanso, da diversão, em meio a duros dias de trabalho.
Para os peões de comitiva, é a interrupção do compassado passo a cavalo que toca os bois, hora de parar de usar o berrante -cada som significa um movimento ou ação a ser feito-, de conversar com o companheiro de empreitada, de esticar as pernas antes de mais uma longa jornada.
As comitivas são viagens que os peões fazem com o gado para levá-lo a outros pastos ou buscá-lo de locais distantes para vacinação e marcação. O gado no Pantanal geralmente é criado de forma extensiva -o nelore foi o que melhor se adaptou. Em algumas fazendas, os turistas podem acompanhar essas viagens para conhecer o cotidiano pantaneiro.
Nas comitivas, viajam poucas pessoas. Cada membro tem sua função. O ponteiro segue na frente; no meio, viajam os meeiros; o culateiro vai atrás; e os fiadores, dos lados, ajudam a virar os bois.
Figura imprescindível, o cozinheiro é sempre o primeiro a chegar às paradas. Ele é o responsável pela montagem do acampamento e, é claro, pela comida, à base de carne-seca ou de sol.
O peão se alimenta com simplicidade. Se o cozinheiro for bom, ele oferece no café da manhã quebra-torto -resto do jantar. Senão, apenas café.
Os peões costumam sair antes de amanhecer e só param para as refeições e para tomar o tereré -bebida igual ao chimarrão, só que tomada fria e apreciada tanto pelos pantaneiros como seu "parente" o é pelos gaúchos. Os membros da comitiva aproveitam a parada do almoço para trocar de cavalo -cada peão leva duas ou três montarias.
O tocar do gado é compassado, mas tenso. É preciso atenção para que nenhum boi escape. Por isso os cavaleiros precisam ter muita habilidade. Eles não usam cela, mas arreio. A peça torna o equilíbrio mais difícil, pois quem monta deve abrir mais as pernas.
O cavalo tem de ser forte. Para deixá-lo apto ao serviço pesado, o pantaneiro costuma "nadar a tropa", ou seja, fazer o animal nadar durante a travessia de um lago.
A força da montaria também é necessária para aguentar a tralha dos peões. Entre laços, machetes (facões), calça de couro, guampa (cuia) para tereré, capa de chuva, cantil e outros apetrechos, eles chegam a carregar até 50 quilos.
As comitivas têm duração variável, mas podem se alongar por dois meses. Normalmente, os peões cuidam de entre mil e 2.000 cabeças de gado e andam cerca de 10 km por dia. À noite, dormem em acampamentos, que só não são usados quando os peões são acolhidos em galpões de fazendas.
Para cuidar do gado, revezam. Sempre há um de olho nos "fujões" ou em quem possa querer roubá-lo. Nessa hora aflora uma das características mais admiráveis do pantaneiro, a imaginação.
Todos têm histórias para contar de sua relação com as "almas do outro mundo". Uma das lendas que embalam as noites é a de que, antigamente, os fazendeiros enterravam seu dinheiro.
Para tomar conta da fortuna, matavam um funcionário cuja alma se tornaria guardiã do tesouro. Assim, cada nova porteira pode ter uma alma.
Outra preocupação constante é a iminência de um encontro com a onça-pintada, que corre risco de extinção. Ela já foi o terror dos fazendeiros quando causava perdas na criação. Hoje, além de ser atrativa para os turistas, é apenas motivo de tensão para os peões.
Como as assombrações, todos têm uma história para contar sobre o seu encontro com a onça.
"Eu estava cuidando do gado à noite na comitiva e senti falta de um boi. Fui atrás e encontrei a onça comendo o bicho", lembra Edson Aquino, o Macarrão, que aos 23 anos já viajava em comitiva.
Os mais velhos lembram histórias de quando a onça era o terror dos patrões. Se ela estivesse em uma árvore, levava um tiro. Se estivesse no chão, o peão pegava uma zagaia (lança) e esperava o animal tentar lhe dar o bote para enfiá-la em seu pescoço. Ainda se mata onça no Pantanal, mas com o aumento do turismo na região, ficou interessante para os fazendeiros tê-las por perto.
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Onça e assombração "seguem" comitivas no Pantanal
MARIANA LAJOLOda enviada especial da Folha de S.Paulo ao Pantanal
Sentados à beira de um lago, observados por um pacato jacaré, os peões tomam tereré e contam os causos de seus encontros com as onças e com as almas.
A cena se repete constantemente para os homens que lidam com o gado no Pantanal. É o momento do descanso, da diversão, em meio a duros dias de trabalho.
Para os peões de comitiva, é a interrupção do compassado passo a cavalo que toca os bois, hora de parar de usar o berrante -cada som significa um movimento ou ação a ser feito-, de conversar com o companheiro de empreitada, de esticar as pernas antes de mais uma longa jornada.
As comitivas são viagens que os peões fazem com o gado para levá-lo a outros pastos ou buscá-lo de locais distantes para vacinação e marcação. O gado no Pantanal geralmente é criado de forma extensiva -o nelore foi o que melhor se adaptou. Em algumas fazendas, os turistas podem acompanhar essas viagens para conhecer o cotidiano pantaneiro.
Nas comitivas, viajam poucas pessoas. Cada membro tem sua função. O ponteiro segue na frente; no meio, viajam os meeiros; o culateiro vai atrás; e os fiadores, dos lados, ajudam a virar os bois.
Figura imprescindível, o cozinheiro é sempre o primeiro a chegar às paradas. Ele é o responsável pela montagem do acampamento e, é claro, pela comida, à base de carne-seca ou de sol.
O peão se alimenta com simplicidade. Se o cozinheiro for bom, ele oferece no café da manhã quebra-torto -resto do jantar. Senão, apenas café.
Os peões costumam sair antes de amanhecer e só param para as refeições e para tomar o tereré -bebida igual ao chimarrão, só que tomada fria e apreciada tanto pelos pantaneiros como seu "parente" o é pelos gaúchos. Os membros da comitiva aproveitam a parada do almoço para trocar de cavalo -cada peão leva duas ou três montarias.
O tocar do gado é compassado, mas tenso. É preciso atenção para que nenhum boi escape. Por isso os cavaleiros precisam ter muita habilidade. Eles não usam cela, mas arreio. A peça torna o equilíbrio mais difícil, pois quem monta deve abrir mais as pernas.
O cavalo tem de ser forte. Para deixá-lo apto ao serviço pesado, o pantaneiro costuma "nadar a tropa", ou seja, fazer o animal nadar durante a travessia de um lago.
A força da montaria também é necessária para aguentar a tralha dos peões. Entre laços, machetes (facões), calça de couro, guampa (cuia) para tereré, capa de chuva, cantil e outros apetrechos, eles chegam a carregar até 50 quilos.
As comitivas têm duração variável, mas podem se alongar por dois meses. Normalmente, os peões cuidam de entre mil e 2.000 cabeças de gado e andam cerca de 10 km por dia. À noite, dormem em acampamentos, que só não são usados quando os peões são acolhidos em galpões de fazendas.
Para cuidar do gado, revezam. Sempre há um de olho nos "fujões" ou em quem possa querer roubá-lo. Nessa hora aflora uma das características mais admiráveis do pantaneiro, a imaginação.
Todos têm histórias para contar de sua relação com as "almas do outro mundo". Uma das lendas que embalam as noites é a de que, antigamente, os fazendeiros enterravam seu dinheiro.
Para tomar conta da fortuna, matavam um funcionário cuja alma se tornaria guardiã do tesouro. Assim, cada nova porteira pode ter uma alma.
Outra preocupação constante é a iminência de um encontro com a onça-pintada, que corre risco de extinção. Ela já foi o terror dos fazendeiros quando causava perdas na criação. Hoje, além de ser atrativa para os turistas, é apenas motivo de tensão para os peões.
Como as assombrações, todos têm uma história para contar sobre o seu encontro com a onça.
"Eu estava cuidando do gado à noite na comitiva e senti falta de um boi. Fui atrás e encontrei a onça comendo o bicho", lembra Edson Aquino, o Macarrão, que aos 23 anos já viajava em comitiva.
Os mais velhos lembram histórias de quando a onça era o terror dos patrões. Se ela estivesse em uma árvore, levava um tiro. Se estivesse no chão, o peão pegava uma zagaia (lança) e esperava o animal tentar lhe dar o bote para enfiá-la em seu pescoço. Ainda se mata onça no Pantanal, mas com o aumento do turismo na região, ficou interessante para os fazendeiros tê-las por perto.
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