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27/09/2004 - 09h49

Museu de tudo: Saída para as instituições é diversificar

HELOISA LUPINACCI
da Folha de S.Paulo

A diversificação dos museus caminha junto ao desafio de contextualizar o viajante que se depara com um acervo secular. Em entrevista à Folha, Marcelo Araújo, diretor da Pinacoteca do Estado de SP, explica aspectos que podem servir como um guia a quem passeia por quadros e esculturas.

DIVERSIFICAÇÃO - "A instituição a que chamamos de museu se afirma no final do século 18. E, a partir da segunda metade do século 20, há uma imensa proliferação de modelos. Entre museus de arte, há os que são voltados para a obra de um só artista, museus que são casas de artistas, museus de um período ou de uma escola e coleções que eram estatais, reais ou privadas. Hoje, a produção contemporânea cria desafios para essas instituições. Essa produção trabalha com o happening [ manifestação artística em que se mesclam artes visuais, improvisações cênicas e objetos não-artísticos] e, muitas vezes, não tem suporte material, mas uma documentação. Seguramente novos modelos vão surgir."

INUSITADOS - "Existem museus que não têm acervos com obras originais. O museu do Design de Londres (www.designmuseum.org.uk) tem um acervo de projeto das peças. Na sociedade industrial, essas peças, a partir de um projeto, podem ser reproduzidas. Não é preciso ter um acervo tridimensional. Mas não há museu sem acervo. Em Santiago do Chile, há um interessante chamado Artequin (www.artequin.cl). Ele foi criado porque no Chile não havia uma coleção significativa de arte européia do século 15 ao século 20. Então eles fizeram um museu de reproduções. Criaram um percurso da história da arte ocidental, do renascimento até o começo do século 20, escolheram 200 ou 300 obras e conseguiram, junto aos museus, o direito à reprodução. Esse museu desempenha superbem, ainda que não tenha os originais, o papel educativo, que é fundamental."

MUSEU-VISITANTE - "Acho obrigatório para o museu que ele seja compreendido. É muito enriquecedor se ele for visto, analisado e visitado dentro da sua perspectiva histórica. É um desafio fazer com que as pessoas entendam que o conjunto de obras de um acervo não é um dado da natureza, não caiu do céu."

REVOLUÇÃO - "A Revolução Francesa é um grande ponto de virada do museu. Até então, as grandes coleções pertenciam às famílias imperiais, aristocráticas, ou à igreja. No entanto, há, já no século 17, algumas coleções, como a do Vaticano, que são abertas ao público. Só que, quando se fala público nessa época, fala-se de especialistas ou de nobres, enfim, de um público muito específico.

Com a a criação do Estado laico, na Revolução Francesa, há a secularização desses bens, ou seja, o Estado toma posse das coleções e, dentro do espírito do Iluminismo do século 18, declara que aquilo passa a ser bem público. E abre essas coleções para a visitação."

LOUVRE - "O Louvre era o grande símbolo do poder real francês. Inclusive foi bem simbólica a abertura das portas do palácio com a coleção para o público. E foi um supersucesso.
Quando o Louvre foi aberto, a visitação foi tão grande que eles foram obrigados a fechá-lo por falta de segurança."

PRADO - "Com a invasão napoleônica --e o Napoleão toma, praticamente, toda a Europa-- são criados os Estados associados, e o irmão de Napoleão é nomeado o rei da Espanha. Para copiar o que foi feito com o Louvre, ele abre a coleção real da Espanha ao público. Assim, forma o museu do Prado. É importante saber que a coleção do Prado foi formada do século 15 até o século 19. Reflete o que era o gosto do colecionismo real nesse momento, quais eram os artistas admirados pelos reis. Isso explica a grande quantidade de El Greco, a influência italiana e a pouca presença de pintura inglesa e francesa. Os movimentos políticos explicam o colecionismo da época. É central perceber que aquela coleção é diferente das do Louvre ou da National Gallery de Londres. Os museus têm processos históricos distintos. Os acervos são resultados desses processos. Entender esses processos é saber por que uma obra está em um museu e não em outro."

SÉCULO 20 - "Até o final do século 19, os museus só aceitavam o que era consagrado. No Louvre, não entravam obras de um artista vivo. E isso era um padrão. Dizia-se: "Quando o artista ainda está vivo não há distanciamento histórico para saber se a obra é importante ou não". Então só eram aceitas obras de artistas mortos. No final do século 19, começa um questionamento grande. Na Alemanha, uma geração de curadores começa a mudar esse padrão, para que os museus não só aceitem obras de artistas vivos mas que promovam e divulguem essa obra. Essa idéia tem um grande desenvolvimento no começo do século 20. O grande referencial desse modelo é o MoMA (Museu de Arte Moderna de NY), que, no entanto, só foi criado em 1929. Ele surge voltado para a produção contemporânea, para o que era produzido no momento. A partir dos anos 1950, 1960, as obras modernas passam a ser históricas. Nos anos 1960, as vanguardas de 1910 e de 1920 não eram mais contemporâneas. Eram carregadas de historicidade."

CONTEMPORÂNEA - "Então surge o museu de arte contemporânea para confrontar a produção do começo do século 20, que nesse momento começa a ficar historicamente datada, e a produção do momento.

Só que muitas vezes isso gera uma confusão. O próprio MoMA coleciona arte contemporânea. Em outras cidades, surgem museus de arte contemporânea justamente para delimitar essas produções. Assim, o que era moderno -o que foi produzido até a década de 40 ou 50, dependendo da leitura- fica para o museu de arte moderna ou o museu de arte. O que foi produzido a partir da década de 50 e 60 fica para o museu de arte contemporânea. Em São Paulo isso deu a maior confusão. Há o MAM, que coleciona também produção contemporânea, o MAC-USP, que tem obras modernas no acervo, e a Pinacoteca, que tem moderno e contemporâneo.

O nome do museu nem sempre é correspondente. Por isso é importante compreender a proposta, a política de cada instituição."

NOVO RUMO - "Hoje os museus já estão se especializando. Nesse contexto, surgem instituições que se propõem a trabalhar só com a produção que começa a partir do século 21. Agora, como isso vai ser chamado daqui a uma dezena de anos, não é possível saber. Mas, seguramente, existirão museus que vão tratar de um período de tempo fechado, pois esse é um modelo que já existe.

É importante lembrar que, a partir do século 20, a produção artística vive uma internacionalização. Até então, havia um problema de raiz antropológica que era a produção dita artística na África e na Ásia. O que, para os olhos ocidentais, é chamado de arte africana não é um objeto feito para a fruição estética. É uma peça com uma função, muitas vezes cerimonial. No século 20, de certa forma, há uma internacionalização que faz com que a dimensão da produção artística cresça exponencialmente. Hoje são milhões de peças criadas sob a natureza de obra de arte. Esse aumento exige uma especialização cada vez maior dos museus que vão abrigar essas obras."

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