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21/05/2001 - 22h06

Parati troca estrelas por peixes em hotéis e cria selo GLS

JANAINA FIDALGO
da Folha Online

Nos últimos meses, o professor de história e hoteleiro José Cláudio de Araújo (PMDB), 47, tem sido assediado pela imprensa. Prefeito eleito de Parati, litoral do Rio de Janeiro, Araújo resolveu criar uma nova classificação para os hotéis e pousadas da cidade. Saem as tradicionais estrelas da Embratur, entram peixes, que podem ser cor-de-rosa ou com as cores do arco-íris se o hotel quiser ser identificado com o público homossexual.

Janaina Fidalgo
Prefeito de Parati, José Cláudio de Araújo (PMDB)
Pretende também elevar a cidade a patrimônio histórico da humanidade reconhecido pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura).

Para Araújo, a nova classificação de hotéis e pousadas é um jeito de incentivar os hoteleiros a investir no treinamento de pessoal, que segundo ele, é desqualificado para uma cidade que vive do turismo. Cursos de reciclagem já estão sendo oferecidos aos profissionais do setor, e a adoção dos peixinhos deve ser o próximo passo. Hotel com pessoal bilingue, que cozinhe melhor, que seja mais atencioso ganha mais peixes.

Já o reconhecimento de Parati como patrimônio histórico da humanidade não depende só do prefeito. A cidade já faz parte do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional desde 24 de março de 1966, mas falta o título internacional para os seus 917 quilômetros quadrados de prédios históricos e ruas estreitas.

Leia abaixo trechos da entrevista concedida à Folha Online:

Folha Online - Como deve funcionar a nova classificação dos hotéis e pousadas da cidade?
José Cláudio Araújo -
Nossa mão-de-obra não é qualificada. Os hotéis cinco estrelas não têm a menor condição. Então vamos criar uma classificação local, porque entrar na classificação da Embratur, que é um órgão federal, seria um processo imenso.
Alguém sugeriu o uso peixe Parati, que deu origem ao nome da cidade, no lugar das tradicionais estrelas da Embratur. No decorrer da conversa surgiu a idéia de diferenciar os hotéis que aceitam GLS (gays, lésbicas e simpatizantes). Então, quem quiser dizer que recebe GLS claramente bota o peixinho colorido, cor-de-rosa, cor do arco-íris ou como quiser. O problema é que quando isso caiu na grande imprensa, virou veadagem. Mas não é. O objetivo principal é profissionalizar e preparar a comunidade para receber melhor o turista.

Folha Online - Hoje, sem a classificação, como o público GLS encontra hospedagem?
Araújo -
Hoje é natural. Inclusive pela internet. Vários hotéis dizem que aceitam GLS. Acho que todos aceitam. Fui secretário da Cultura e nunca tive nenhum caso em que um gay não tenha sido aceito. Tive casos de reclamação de hotéis que não aceitavam crianças, GLS nunca tive.

Folha Online - Esse projeto de classificação pode atrair o público GLS e tornar a cidade um reduto gay?
Araújo -
Não acho que vai alterar nada nem é essa a intenção. É uma coisa muito espontânea. Tem hoteleiro que diz que não vai colocar peixe colorido porque é uma forma de discriminar. Tem pousada que faz questão de trabalhar preferencialmente com GLS porque é um público muito bom. Está na lista dos mais gastadores da Organização Mundial do Turismo. Na hora de virar lei, a classificação dos hotéis será pelos melhores serviços. Se tiver profissionais bilíngues, arrumadeiras com diploma, cozinheiro com curso etc.

Folha Online - A nova classificação já tem data para entrar em vigor?
Araújo -
Estou primeiro encaminhando um convênio com 20 cursos para qualificar os profissionais que trabalham com turismo na cidade. Eu só mudar a classificação quando estiver oferecendo algo. Tenho que dar um tempo para as pessoas se prepararem. Já tivemos um curso sobre pesca amadora. Creio que em um ano o projeto será concluído.

Folha Online - Os cursos serão obrigatórios?
Araújo -
Vamos convidá-los democraticamente a participar obrigatoriamente (risos). Vamos mandar um convite e dizer que é preciso participar.

Folha Online - A expectativa é aumentar o número de turistas?
Araújo -
A expectativa é não ter baixa temporada. É ter uma altíssima temporada e ter uma média de ocupação o ano inteiro com o turismo cultural, ecológico, de negócios, de estudantes e da idade especial. Queremos atingir todos esse nichos de mercado que nós temos, mas que ainda estão muito tímidos. Pegue, por exemplo, uma faculdade de arquitetura: se lançarmos um pacote bom, todo estudante de arquitetura pode passar por Parati para estudar as técnicas construtivas do século 18. Está tudo aí, as pedras e o pau-a-pique. Você também pode convidar uma escola de primeiro grau para conhecer um manguezal, um costão rochoso, um fundo de baía ou uma ilha. Temos dois climas maravilhosos: o clima do verão e o inverno, você sobe a serra e tem clima de Campos do Jordão.

Folha Online - O senhor assumiu que é gay. Isso aconteceu antes das eleições?
Araújo -
Eu não assumi nada, já nasci assim. Eu sou natural. Aqui todo mundo sabe de todo mundo. Quem pensa que tapa o sol com a peneira está muito enganado.

Folha Online - O senhor encontrou algum problema como político em razão de sua opção sexual?
Araújo -
Não tenho problema nenhum porque o problema está dentro da gente. Quando a gente tem a cara limpa tudo é normal. Você encontra as pessoas enrustidas, as pessoas mal resolvidas, as pessoas ideologicamente sem realização nenhuma, que te sacaneiam e dizem besteira, mas enfrentar você mesmo é outra coisa. Ninguém diz na minha frente: "ah, você é veado!".

Folha Online - O senhor já ouviu algum comentário contra suas idéias?
Araújo -
Os comentários são sempre daquelas pessoas que não têm o que fazer. Meia dúzia de pessoas desocupadas que fazem muito barulho, porque as pessoas ocupadas não têm tempo para comentários. Dá sim um certo bochincho, mas não incomoda em nada e a decisão é essa.

Folha Online - E como surgiu a idéia de transformar Parati em patrimônio reconhecido pela Unesco?
José Cláudio de Araújo -
Quando Parati foi tombada como Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, em 1966, a Unesco deu um parecer que dizia que a cidade era um dos conjuntos arquitetônicos mais harmônicos do Brasil. Tudo muito simples, mas uma cidade despojada, integradíssima com o mar. A Unesco tinha a função de tombar as cidades, para que elas tivessem mais visibilidade e desenvolvessem o turismo cultural. Isto vem se arrastando e a Unesco tem modificado muito seus critérios, que hoje, além de culturais, também são ambientais.

Folha Online - As exigências são muito rígidas?
Araújo -
Bastante. Existem algumas especificações, mas nós ainda não temos nada de concreto em relação a isso. Em 1982 houve um abaixo-assinado da comunidade de Parati, encaminhado à Unesco e ao ministro da Cultura da época. A Unesco então nos respondeu que era muito pertinente e diferente a reivindicação do povo paratiense, porque as comunidades, de modo geral, se opunham às convenções de monumento mundial. Disseram que iam apreciar, mas que infelizmente, Parati não constava da listagem dos bens tombados no Brasil. De lá para cá, isso ficou se arrastando e hoje estamos com essa vontade.

Folha Online - Então o senhor está retomando o processo?
Araújo -
Nós retomamos não o processo, mas as atividades. Nós temos enfocado muito na imprensa e lutado junto aos políticos, ministros, secretários de Estado, falando da situação privilegiada de Parati, que é uma cidade-monumento nacional, a única do Estado do Rio de Janeiro com essas características. Parati tem importância histórica por ter sido o segundo maior porto do Brasil até meados do século 18, por onde eram escoados, em direção a Portugal, o ouro e a cana-de-açúcar. Parati ainda não foi valorizada e percebida. Não é admissível uma cidade como esta, com essa visibilidade e com esse interesse cultural não ter recursos ainda.

Folha Online - A população está empenhada e quer participar?
Araújo -
A população conhece os projetos porque foram matéria de discussão durante a campanha política, tanto é que apoiaram e votaram. 41% dos votos foram nossos. Vamos ter que lançar uma campanha nos meios de comunicação para incentivar. Temos 14 mil processos de dívida ativa no Fórum porque as pessoas não pagam seus impostos básicos. Compromete demais o orçamento. Ainda mais agora com a lei fiscal, está tudo atrelado ao orçamento.

Folha Online - Das exigências da Unesco, qual é a mais difícil?
Araújo -
Eu não diria que são difíceis. O que nós temos ao nosso favor é um conjunto de legislação que protege o município, como é o caso da reserva da biosfera, as belezas naturais, que são imbatíveis, o casamento com o mar, com a baía da Ilha Grande. O mais importante ainda é que o povo mantém o nível cultural muito alto. Temos uma festa tradicional, que é a Festa do Divino, os cultos folclóricos, artesanatos e uma série de elementos culturais que são fundamentais para ter uma comunidade viva, ativa e culturalmente importante para o mundo.

Consulte também:

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