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25/03/2010 - 14h23

Arrigo Barnabé tenta desvendar terra roxa

ARRIGO BARNABÉ
especial para a Folha de S.Paulo

Londrina. Ainda há pouco, minha filha, Stella, teve que fazer um trabalho de geografia sobre uma cidade brasileira. Ela resolveu escolher Londrina, e pediu para que eu falasse sobre a cidade para ela.

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Rafael Mosna/Folha Imagem
Na vila Casoni, tipo de construção que remete às primeiras casas de Londrina, como lembra o compositor Arrigo Barnabé
Na vila Casoni, tipo de construção que remete às primeiras casas de Londrina, como lembra o compositor Arrigo Barnabé

Então eu contei a história glamorosa, de que Londrina foi fundada por ingleses. E que eles associaram a cerração que havia no local com o "fog" londrino, e daí resolveram batizar a cidade com o nome de "pequena Londres", Londrina. Disse a ela que eram lendas dos antigos, até hoje eu não sei se a história é verdadeira ou não. Mas ela ficou encantada.

Se existiu, de fato, um "fog" em Londrina, foi muito discreto, pois não me lembro de algum nevoeiro digno de nota (algo como aquela cerração que aparece no filme "Amarcord", quando o pai se perde em frente da própria casa...).

Mas, em compensação, Londrina tem um pôr do sol deslumbrante. E as nuvens são mesmo muito bonitas, no céu de lá. E ainda é possível contemplar, no bosque, que fica no centro da cidade, ao lado mesmo da catedral, algumas perobas, árvores enormes, altíssimas, de pouca copa, pouca folha, madeira maciça.

E a cidade, nos seus primórdios, era toda madeira. Morei muito tempo, cerca de uns 17 anos, em casa de tábua e mata-junta, que estalava no verão, quando a madeira dilatava.

Das pessoas que moravam em casa de alvenaria, nós dizíamos que moravam em casa de "material". Na minha rua, a Paranaguá, entre as ruas Sergipe e Tupi, se você caminhasse na direção da Tupi e depois a subisse, poderia ver os pés de resedá, flores rosa-pálido, aquelas arvorezinhas que eram ao mesmo tempo delicadas, esguias, esbeltas, femininas.

E seguindo na rua Tupi, cruzávamos a Santos, rua modernosa na época, asfaltada, perigosa -diziam as mães-, carros em velocidade, acidentes! Repleta de fícus, com suas folhas verde-escuro enérgicas, quase nervosas. Folhas boas para acumular poeira, poeira vermelha, que permeava toda a cidade.

A cor da terra em Londrina? Sempre fiz confusão com isso. Quando eu era pequeno, diziam terra roxa. E, para mim, roxo era diferente daquela cor que eu via no quintal de casa, nos pneus dos carros, nos limpa-pés, aqueles nacos de terra úmida, aquilo não era roxo, que cor era aquela?

Depois me contaram que usavam roxo por causa dos italianos, que se referiam à cor vermelha da terra, "rossa", em italiano. Mas para mim não era vermelha também, não. Até hoje não sei qual é a cor dessa terra. É a "terra" apenas. Grudada na memória, incrustada mesmo na gente, no ser.

Outro dia revi umas fotos da antiga catedral, tão mais bonita que a atual. Ali fiz a minha primeira comunhão e admirei presépios. Escondido no meu terno azul-marinho de calça curta, presenciei o mistério do mundo dos adultos, com suas velas, seus véus, seus ternos, os terços de madrepérola, como se fossem arcanos esquecidos.

Saindo da catedral pela porta principal temos, em frente ao antigo fórum, onde meu pai trabalhava, a biblioteca municipal. À esquerda, a praça Willie Davids com seus flamboyants delicadamente explosivos, maravilhosos! (Essa praça tem o desenho da bandeira inglesa).

E, à direita, temos o bosque, da já referida peroba, peroba-rosa. Será que ainda existe a peroba? Será que ainda é visível em sua imponência?

Ao me perguntar isso, neste momento, e estando completamente envolvido em recordações, temo estar fatigando o mais paciente leitor, e encerro este testemunho.

 

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