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17/01/2011 - 09h37

Hackers do bem armam guerrilha digital pelo acesso descomplicado aos dados do governo

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CARLOS MINUANO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Com o WikiLeaks, parte da internet ganhou ares de guerrilha. Tropas de adolescentes conectados na rede armaram verdadeiras trincheiras digitais em defesa de Julian Assange, dono do site.

É claro que há algo mais em jogo. A polêmica em torno do site que publica documentos sigilosos e que já virou até game envolve temas controversos como a liberdade na rede e o direito à livre circulação das informações.

Entretanto, os ataques, sem critérios éticos, colocaram os hackers na mira da ala que defende um controle rígido da internet. O tiro pode ter saído pela culatra.

Ou seja, o lobby pelo controle da web pode ganhar mais força. No lugar da garantia de liberdade na rede, talvez o futuro traga mais perseguição e censura.

Um caso que ilustra os prováveis efeitos da polêmica é o da mineira Núbia Soares, 23. Ela não tem nenhuma relação com o australiano Assange, mas afirma ter sido alvo de um respingo do caso.

Ela diz que foi ameaçada e pressionada a pedir demissão da Câmara Municipal de Belo Horizonte, onde trabalhava há cinco anos. O Motivo: divulgou dados públicos na internet e faz parte de uma comunidade hacker.

O objetivo da tribo de que jovem faz parte é, no entanto, usar a tecnologia para garantir o direito à informação.

O imbróglio teve início há dois meses, quando Núbia publicou em seu Twitter que o órgão municipal comprava pacotes com cem copos descartáveis para água, de 200 ml, por R$ 22, sendo que o preço de mercado era R$ 4.

Ela também questionou a aquisição de 500 CDs por R$ 56 a unidade.

A informação já era pública, mas só então se espalhou por redes sociais até ganhar as páginas da imprensa local. "Comecei a ser vigiada."

O clima no trabalho, diz, azedou de vez quando ela participou do encontro em Belo Horizonte do grupo Transparência Hacker, cujo objetivo é justamente clonar sites de governos que contenham dados de interesse público e transferi-los para locais mais acessíveis.

O foco eram os portais da Câmara Municipal e da Assembleia Legislativa de BH.

"Colegas pararam de conversar comigo, e diretores disseram que eu não podia ter divulgado informações sem consultá-los", diz. "Mas os dados que divulguei são abertos. Isso é censura."

Procurada pela Folha, a Câmara Municipal de BH nega as acusações e alega que houve falha de digitação dos dados polêmicos divulgados por Núbia.

O fato coloca em xeque a transparência praticada por governos e órgãos públicos, apesar de o acesso a esse tipo de informação ser reconhecido na Constituição.

O Brasil carece de uma lei que regulamente esse instrumento político. "Informações são ocultas em camadas de PDFs e em links", observa Daniela Silva, coordenadora do Transparência Hacker.

Fazer valer o direito à informação é o objetivo desses "hackerativistas". De maneira criativa, e usando a tecnologia, eles fazem pressão para que o país deixe de figurar entre os piores no ranking de acesso a dados abertos.

No ano passado, ciberativistas redigiram um manifesto (www.livreacesso.org) em defesa da aprovação de uma lei de acesso a informações públicas no país.

Rodrigo Capote-17.dez.2010/Folhapress
SÌO PAULO, SP, BRASIL, 17-12-2010, 17h: Hackers "do bem" de todo o Brasil se renem periodicamente para trocar informaes sobre como tornar dados pblicos acess'veis via internet. Pedro Markun, 24 anos, Daniela Silva (em pe), Liane Lira, 27 anos, Bruno Barreto, 21anos, Diego Casaes (em pe), 23 anos, e Miguel Peixe, 19 anos em frente do escritorio onde se reunem. (Foto: Rodrigo Capote/Folhapress, FOLHATEEN)
Pedro Markun, Daniela Silva e Diego Casais (em pé), Liane Lira, Bruno Barreto e Miguel Peixe em frente ao escritório onde se reúnem

A trupe de ativistas on-line surgiu em 2009. "O primeiro alvo foi o blog do Planalto", diz Pedro Markum, 24, coordenador do bando hacker.

O clone do site oficial acrescentava apenas um detalhe que o governo havia suprimido: o espaço de comentários dos leitores. Era só o começo de uma série de hackeadas bem sucedidas.

As ações do grupo se concentram em espécies de mutirões tecnológicos chamados de Transparência Hackday, que chegam a durar um final de semana inteiro.

Organizado em várias regiões do país, o evento reúne jovens de diferentes tribos. Uns mais politizados, outros nem tanto, mas todos apaixonados por tecnologia.

Bruno Barreto, 21, chegou à primeira maratona hacker sem saber bem o que faria, mas navegando meio de bobeira na internet teve uma ideia que quase lhe rendeu um emprego. "Encontrei uma reclamação não atendida no SAC (Serviço de Atendimento ao Cidadão) da Prefeitura de São Paulo, comecei a mexer e vi que era possível acessar todas", conta.

Barreto avançou no projeto e conseguiu criar um banco de dados com mais de um milhão de reclamações.

O jovem hacker faz uma análise a partir dos dados coletados: "Toda semana abre um buraco na mesma rua e bairros mais ricos apresentam menos problemas".

A iniciativa não passou incólume. "Fui chamado para ir à prefeitura, apontei falhas de segurança no site e sai de lá com uma proposta de emprego", conta.

RESIDÊNCIA HACKER

Enquanto a transparência entre governo e sociedade segue travada, para os jovens do Transparência Hacker a coisa é cada vez mais séria.

Em dezembro do ano passado, eles anunciaram outra ação: duas microbolsas de R$ 2.000 para projetos de abertura de dados.

Um dos primeiros selecionados foi o Leigos, uma plataforma colaborativa de interpretação e tradução da legislação. "Vamos passar o "juridiquês" para um português inteligível", explica Miguel Peixe, 19, um dos autores do projeto. Outras duas bolsas serão lançadas no Campus Party, que começa hoje e segue até domingo.

Para quem quiser mudar o mundo a partir de novos usos da tecnologia, o grupo vai anunciar outro experimento, também no Campus Party: a residência hacker. "Será um espaço de convivência entre ativistas e desenvolvedores", diz Pedro Markun.

A cada edição do projeto, serão selecionados dois participantes que dividirão durante no máximo três meses um apartamento mobiliado, no centro de São Paulo.

"Não sabemos onde isso vai dar", admite Markun.

Os participantes não terão que pagar nada. A única contrapartida, adverte Markun, é que toda a produção da residência seja desenvolvida em licenças livres.

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FRASES

"Antes do WikiLeaks, era: vamos censurar a rede porque existem pedófilos. Agora é: existem hackers e eles podem tirar o site do seu banco do ar"
Pedro Markun, 25

"Sou formado em Turismo, mas me sentia um peixe fora d'água. Me encontrei nos usos sociais da tecnologia, é uma ferramenta para as pessoas se fazerem ouvir"
Diego Casais, 23

"A comunidade Transparência Hacker tem consciência de que a abertura de dados de órgãos governamentais favorece a participação política ativa de cidadãos"
Liane Lira, 23

"Portais de governos fazem publicidade da transparência pública, mas colocam dados de forma que dificilmente alguém possa compreendê-los"
Núbia Souza, 23

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CINCO PASSOS PARA SE TORNAR UM HACKER DO BEM

1. ENCONTRE
Encontre um site do governo que tenha informações de interesse público, ou seja, que afetam a vida das pessoas. Por exemplo, como está o trânsito na sua cidade ou como o governo está gastando o seu dinheiro

2. DECIFRE
Em geral, essas são informações já publicadas na internet, mas de um jeito tão complicado que nenhum cidadão consegue compreendê-las

3. ORGANIZE
Não desanime. Junte os dados em uma única planilha. Você pode fazer isso manualmente, mas os dados do seu interesse podem estar espalhados por centenas de páginas diferentes -e juntar tudo isso daria um trabalho do cão

4. SCRAPERS
Aí entram os "scrapers" (do inglês "raspadores"), aplicativos que automatizam esse processo. Eles podem fazer o download de todas as informações que estão em um site para depois organizá-las em um banco de dados. Um boa ferramenta para começar a "raspar" sites é a scraperwiki.com (em inglês): lá você encontra scrapers prontos, mas também aprende a desenvolver os seus

5. FACILITE
Com os "dados brutos" em mãos, é hora de pensar em novas formas de visualização. Crie uma forma de exibir esses dados para que outras pessoas consigam entender melhor o que esta acontecendo na sua cidade e, principalmente, possam se mobilizar em torno disso. Com alguns mapas e gráficos é possível deixar essa informação, antes complicada e dispersa, mais acessível e interessante

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ATIVISMO ON-LINE

BLOG DO PLANALTO
Replica exatamente tudo que é postado no Blog do Planalto oficial, com a diferença de que abre espaço para comentários.
Endereço: planalto.blog.br

CÂMARA MUNICIPAL DE SP
Tabela as prestações de conta dos vereadores paulistanos de maneira mais simples que o site oficial.
Endereço: cmsp.topical.com.br

GPH - GRUPO DE PAIS HOMOSSEXUAIS
Pais, filhos e amigos postam seus depoimentos no site da Associação Brasileira de Pais e Mães de Homossexuais.
Endereço: www.gph.org.br

LIVRO LIVRE
Cada pessoa imprime um adesivo, cola em um livro e o "liberta" em uma praça ou escola para outras pessoas o lerem.
Endereço: www.livrolivre.art.br

SAC SP
Coloca no mapa todas as reclamações feitas pelos paulistanos no site da Prefeitura e mostra um ranking de reclamações.
Endereço: sacsp.mamulti.com

SOS ALAGOAS
Durante as enchentes em Alagoas e Pernambuco, mostrava no mapa quais eram as áreas mais afetadas e registrava voluntários e doadores.
Endereço: www.sosalagoas.al.org.br

VIRA LATA É DEZ
Site e blog da Associação Protetora dos Animais Domésticos - Vira Lata é Dez, que incentiva a adoção de animais abandonados. Endereço: www.viralataedez.com.br

 
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