São Paulo, sábado, 8 de setembro de 2007

Miniconto

Meu cachorro que fotografa

Por Yili Rojas

Sassau balança o rabinho quando alguma coisa o anima e deita para que acariciemos a barriga. Na rua cheira os cachorros que encontra andando por ai para conhecer suas identidade e, assim, travar algumas amizades. Levantando a patinha elegantemente, faz xixi nas árvores para demarcar seu território. Depois, arranha o chão com as patas traseiras como quem diz "terminei!" Quem lê isso deve pensar que Sassau é igual aos outros cachorros, mas eu sei, posso até apostar, que ninguém nunca viu antes um cachorro como o meu. Além de ser um bonito vira-lata preto, Sassau sabe fotografar bem e já até ganhou prêmio em um concurso de fotografia.
Com seus grandes e felizes olhos escuros bem abertos, Sassau pede logo cedo que lhe abramos a porta para poder sair e começar a farejar imagens. Lá fora levanta as orelhas, aguça seu olhar canino, entrefechando os olhos e sentindo no ar alguns sinais sutis que antecipam cenas e cores vibrantes. Ao encontrar o momento certo, ele se posiciona em alerta, olha sem pressa, deixando cair a cabeça ora de um lado, ora do outro -como só os cachorros sabem fazer. Então ele acerta o foco com o focinho e, com sua pata peluda, aperta o botão. E clica mais de uma vez para garantir uma boa foto.
Depois de um dia circulando pela cidade, Sassau volta todo satisfeito. É que traz na sua câmera digital cenas e histórias para nos mostrar. Balança o rabo, bebe água sedento, come vorazmente sua ração, deita para que lhe acariciemos a barriga. E aí nos mostra, uma a uma, as imagens que fez no dia: pombas que conversam com velhas senhoras nas praças, vendedores com aventais verdes que vendem melancias vermelhas nos seus carrinhos de madeira pintados de azul celeste, cachorros de pedigree enfeitados com fitinhas coloridas, cachorros gigantes e assustadores andando pacientemente com homens pequenininhos e cachorros de rua que andam sujos à procura de algum resto de comida.
Hoje, por exemplo, Sassau nos trouxe a foto dos pés de um menino com os sapatos sujos de lama e, num segundo plano, umas patinhas caninas, que, no momento decisivo, pulam sobre a poça d'água, deixando que todos descubram no reflexo da água o corpo de um cãozinho marrom. Sassau agora dorme enroscado nele mesmo, como todos os cães fazem em noites de frio. Mas, à diferença dos outros cães, meu cachorro sonha certamente com as fotos que fará amanhã.


Sobre a autora
Yili Rojas nasceu em Bogotá (Colômbia) e mora no Brasil desde 1990. É artista plástica, arte-educadora e já ilustrou livros como "Os Chifres da Hiena e Outras Histórias da África Ocidental" (Edições SM).


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