São Paulo, sábado, 24 de março de 2007

Miniconto

O mico perdido

Por Luciana Sandroni

Lá fora, um engarrafamento gigantesco: carros e ônibus parados na Lagoa há mais de meia hora. Era buzina e gritaria tudo ao mesmo tempo: "Anda, meu irmão!", gritava um. "Passa por cima, mané!", respondia outro. O caos era total. Logo chegaram os vendedores ambulantes tentando acalmar o pessoal: "Olha o biscoito de polvilho! Salgado ou doce, "madama'? Olha o mate natural! Quem vai querer?"
Lá dentro do ônibus escolar, ao contrário, era uma alegria geral irrestrita -o dia seguinte ia ser um sábado. O Guimarães, motorista do ônibus, já tinha perdido a voz de tanto que pedia silêncio. Toda sexta-feira era isso: o trânsito parava, e os celulares das crianças não paravam de tocar. O Guimarães resolveu sair da Lagoa e tentar a rua Jardim Botânico: "Quem sabe lá a gente sai do lugar?"
Doce ilusão: a rua estava um nó. De repente, as crianças viram uma família de micos andando pelos fios elétricos e começaram a gritar: "Olha, aquele ali é filhote! Vem cá, miquinho!" Foi um alvoroço. O Guimarães só pedia silêncio e ainda disse que aqueles bichos eram uma verdadeira "praga" na cidade. Foi uma vaia só.
Mas exatamente nessa hora aconteceu uma coisa inesperada: o filhote de mico caiu do fio e entrou por uma janela do ônibus! Que confusão! O mico não conseguia sair e começou a pular e a gritar feito um doido. As crianças, com medo, foram correndo para perto do motorista: "Ele vai morder a gente, Guima!". "Calma, gente! O mico só tá com medo!", respondeu o motorista, que abriu a porta para as crianças descerem. Elas saíram em disparada gritando pela rua: "É um mico perdido! É um mico perdido!" Só que, em pouco tempo, o mico perdido se transformou em bala perdida! Os motoristas nem pestanejaram e deram marcha a ré. Outros deram no pé. Que mico!
O Guimarães tentava em vão convencer o mico a sair do ônibus. De repente, um celular tocou. O mico quase teve um enfarte e pulou na cabeça do motorista, que, também, quase teve um treco. Até que, por um milagre, o mico saiu porta afora. O Guimarães, danado, jurando nunca mais pegar a rua Jardim Botânico, chamou as crianças de volta. Elas entraram rindo adoidado, totalmente esquecidas do medo, achando tudo muito divertido e pedindo para o Guimarães voltar sempre por aquele caminho. E os celulares não paravam de tocar...

Sobre os autores
Luciana Sandroni é carioca e autora de livros como "Minhas Memórias de Lobato" (Companhia das Letrinhas), que recebeu o Jabuti de melhor livro infantil em 1998.
Gilles Eduar é ilustrador. Entre seus livros publicados está "O Marujo das Árvores" (editora Martins Fontes).


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