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São Paulo, sábado, 26 de novembro de 2005

MINICONTO

O beijo

LUCRECIA ZAPPI

Se você observa bem os sapos, sabe que eles são beijoqueiros. Quando menos espera, um deles se joga na sua direção e chuac, você está beijado de sapo.
Mas esta história que você está lendo é a de um sapo que lia histórias. Assim como você. Passava tardes (noites inteiras também, à luz de vagalume) em cima da planta que bóia no brejo. Lia tudo, mas seu gênero favorito era mesmo o das histórias de sapos.
Ele leu tanto, tanto, tanto -lia desde quando era girino- que o brejo inteiro começou a dizer que ele havia enlouquecido. Diziam que ele achava que era sapo, assim como os sapos do livro.
-- Mas um sapo achar que é um sapo não tem nada de tão louco assim, tem?, perguntei.
-- Não, responderam os sapos.
-- Então?
Então de tanto ler histórias de sapos, e você sabe que em boa literatura de sapo tem beijo, o sapo passou a beijar tudo o que encontrava pela frente. Zebra, vaca, tamanduá. Tanto que um dia o sapo amanheceu e disse: "Estou cheio de sapinho!".
O sapo leitor foi ao médico. E o médico deu uma baita de uma bronca nele. Falou alto e apontou o dedo.
- Está louco? Isso é o que dá ler tanto.
- Mas o senhor não entende, doutor. Sou um cavaleiro sapo andante.
- E esses sapinhos que você diz que estão na sua boca são o quê?
- Fruto das minhas andanças.
- Fruto da sua imaginação. Você não tem nada. Vamos fechar esses livros, disse o médico assinando uma receita de "sombra e água fresca".
O sapo voltou para a planta que bóia. Foi pensar. Não estava louco. Só gostava muito de beijar, procurando por sua Dulcinéa. E concluiu que só havia uma forma de saber o final de sua própria história: pegou um livro e leu até o fim. E o fim era um beijo.

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