São Paulo, sábado, 1 de janeiro de 1994
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Dois anos de seca dizimam vida no Cariri

ADELSON BARBOSA
DA AGÊNCIA FOLHA, NO CARIRI (PB)

Há pelo menos dois anos não chove com regularidade no Cariri Ocidental da Paraíba, a região mais seca e miserável do país, segundo pesquisa da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Este ano, a média pluviométrica do Cariri foi inferior a 50 mm, informou a Secretaria de Agricultura do Estado. A média pluviométrica do deserto do Saara oscila em torno de 200 mm. A do deserto de Atacama, no Chile, em 75 mm.
Em condições normais, a média pluviométrica do sertão nordestino varia em torno de 800 mm anuais. O agravamento da seca amplia a miséria e a fome na região. A agricultura foi totalmente dizimada. Não houve aproveitamento nem das culturas de feijão e milho. Os açudes estão quase todos secos. Em apenas cinco ainda há água. Estão com menos de 10% da capacidade. Nos 12 municípios da região, vivem cerca de 111 mil pessoas. Há também uma região do Cariri no Ceará.
Água contaminada
A população das cidades está sendo abastecida por carros-pipas, que distribuem água de má qualidade, de poços e açudes que também estão secando. Em Monteiro, a maior cidade da região, com 30 mil habitantes, a população utiliza água contaminada pelo vibrião colérico, segundo a Secretaria Estadual da Saúde, porque não existe outra opção. Na cidade, pelo menos 500 pessoas foram internadas nos últimos dois meses com cólera, hepatite e febre tifóide, informou o Núcleo Regional da Secretaria de Saúde.
A economia da região gira hoje em torno dos recursos provenientes do pagamento dos aposentados, dos alistados nas frentes de emergência e dos funcionários municipais. Os aposentados da Previdência Social são os mais beneficiados, porque não ganham menos que o salário mínimo e têm seus benefícios reajustados mensalmente, o que não ocorre com os trabalhadores das frentes de emergência e dos funcionários municipais.
O comércio das cidades só tem movimento nos dias de pagamento. Mesmo assim, apenas a cesta básica da região é vendida pelos pequenos comerciantes. A cesta é composta por feijão, fubá, café, açúcar, rapadura e farinha. "O que eu mais vendo é feijão, açúcar, café e fubá", disse José Inaldo Neves, 42, dono de um pequeno armazém no município de São Sebastião do Umbuzeiro.
Na zona rural, a situação é mais grave. Muitas pessoas percorrem até 4 km para conseguir uma lata d'água para beber. No último dia 2, a Folha encontrou Quitéria Maria Francisca, 52. Ela percorreu 4 km entre uma cacimba (poço raso no leito de um rio seco) e sua casa, no sítio Lagoa, em Monteiro, com uma lata d'água na cabeça. "A nossa situação é muito feia e tem gente que não acredita. A gente não tem nem água para beber. Hoje, é mais um dia em que não tenho nada em casa para comer com meus filhos e netos", disse Quitéria.
O trabalhador rural José Genival Ferreira, 45, teve mais sorte que Quitéria. Ele percorreu os mesmos quatro quilômetros com uma lata d'água numa bicicleta. Tinha saído de casa pela manhã para conseguir água e alimentos para os cinco filhos menores. Retornou no final da tarde, com uma lata d'água, duas mangas e dez goiabas. Disse que aguardava receber "o pagamento da emergência" (frentes de trabalho) para comprar feijão e fubá e alimentar a família. O pagamento está atrasado há um mês.
Ferreira ganha CR$ 3 mil por quinzena para sustentar sete pessoas. O único dinheiro que ganhou em 93 foi o equivalente a US$ 80 do pagamento da emergência, de junho a outubro. "Viver aqui é um milagre", disse. Manoel Francisco, 54, cinco filhos e quatro netos, também voltou para casa no final da tarde do dia 2 com algumas goiabas, para a primeira –e única– refeição do dia.
"Bicho duro de morrer é gente pobre", disse. Segundo ele, "a fome é tão grande que já estamos acostumados". Francisco afirmou que na vegetação seca da caatinga não existem mais preás (roedor) e arribações (um tipo de ave nativa do Nordeste), animais utilizados na alimentação nas épocas de seca.
Alguns fazendeiros estão alimentando o gado com palma forrageira, um tipo de cacto cultivado, resistente à seca, e mandacaru, cacto nativo encontrado em abundância na caatinga. Muitos pequenos proprietários rurais estão investindo o que têm na criação de cabras e ovelhas, animais muito resistentes à seca, que se alimentam com pasto ressecado e bebem pouca água.
Pesquisa
A pesquisa da Universidade Federal da Paraíba se apóia em dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e da Sudene (Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste). Os pesquisadores estão desenvolvendo um trabalho de campo, com aplicação de questionários para as lideranças dos trabalhadores rurais, prefeitos e líderes comunitários e políticos, além de promoverem reuniões com essas pessoas nas zonas urbana e rural para colher depoimentos.

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