São Paulo, sábado, 1 de janeiro de 1994
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O rosa e o negro

O ano que se encerrou não trouxe a tão desejada estabilização da economia. De fato, a taxa de inflação para dezembro ficou próxima de 38%, com o que 1993 terminou com o recorde de todos os tempos em matéria de alta anual de preços. Esse malogro lamentável ofusca alguns dos avanços obtidos no campo econômico, como por exemplo o crescimento próximo a 4,5%.
Há ângulos setoriais que merecem comemoração. O setor externo teve um desempenho muito bom. O saldo da balança comercial será de quase US$ 14 bilhões, um dos maiores do mundo. Aliado ao afluxo de capitais especulativos, isso permitiu ao governo acumular um alto nível de reservas (US$ 29 bilhões em outubro), o que diminui o risco de dificuldade no balanço de pagamentos.
Além disso, o governo fechou um acordo com os bancos estrangeiros e, com isso, regularizou parcialmente sua situação com a comunidade financeira internacional. Falta fechar o acerto com o Fundo Monetário Internacional, para o qual, de todo o modo, a negociação já está avançada. Foram dados, igualmente, passos importantes no rumo de uma liberalização cambial.
No campo da abertura da economia, efetivou-se, em julho, a última rodada de redução de alíquotas de importação dentro do cronograma herdado do governo Collor. Com isso, a tarifa média caiu de 32,2% em 90 para 14,2% e a tarifa máxima, de 85% para 35%. Essa mudança é importante no sentido de colocar a produção nacional sob competição externa e estimular um aumento da eficiência das empresas.
O governo fechou ainda um acordo sobre as dívidas de Estados e municípios com a União, colocando no horizonte um fluxo regular de pagamentos para o Tesouro. Resta definir, porém, a principal questão: o limite de comprometimento da receita dos governos estaduais e municipais.
Quanto às privatizações, não há muito o que comemorar em 93. É verdade que o cronograma de leilões, bem ou mal, acabou sendo cumprido, mas, em contrapartida, nada se avançou na abertura de novos setores à desestatização. Em todo caso, o ano passado marcou o fim da presença estatal na siderurgia, mas é necessário que o processo seja acelerado e ampliado no ano que começa.
Esses avanços setoriais são, no entanto, ofuscados pela crise social e pela aceleração inflacionária, que agrava ao extremo as dificuldades das camadas mais pobres. De fato, todos os esforços já feitos podem se mostrar infrutíferos se o país não conseguir reduzir –e muito– a taxa de aumento de preços. Nesse aspecto, é preciso lembrar que uma profunda reforma do Estado se faz necessária a fim de produzir um ajuste fiscal duradouro. Sem isso, a queda definitiva da inflação é impensável. E o melhor foro para se avançar na questão do Estado é a revisão constitucional, cuja realização é incerta.
É preciso ressaltar que a maior parte do pouco que há a comemorar em 93 no campo econômico não se deveu a esforços do presidente. Na verdade, as questões levantadas ou já estavam na agenda política há muito ou se devem exclusivamente ao setor privado. Ao atual governo, coube mais o papel de espectador, quando não o de complicador.
É um papel que não pode se repetir em 94, pois a questão central –a inflação– não pode ser enfrentada à revelia do governo. A equipe econômica divulgou o seu plano. Resta, agora, que o conjunto do Executivo abandone as arquibancadas e passe a jogar pesadamente contra a inflação. Só assim se evitará que 94 seja tão insatisfatório como 93.

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