São Paulo, domingo, 2 de janeiro de 1994
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Um século de história da leitura

MARIA THEREZA FRAGA ROCCO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Diferentes estudos sobre leitura, surgidos na França nos últimos cem anos, deram origem a essa obra notável: "Discours sur la Lecture" que brevemente será traduzida para o português.
Um sério trabalho desenvolvido por estudiosos da Ecole de Hautes Etudes de Paris, sob orientação do historiador Roger Chartier, foi posteriormente retomado por Anne-Marie Chartier e Jean Hebrard, resultando nesse livro de grande impacto internacional. Muito bem dividido, o texto explora quatro vertentes temáticas ligadas ao ato de ler, e tomaram corpo no correr do século.
Na segunda parte, estão as reflexões sobre os "Discursos de Bibliotecários". Com rigor, os autores discutem a validade e alcance de alguns conceitos veiculados, como por exemplo o de leitura pública. Deslocando seu foco crítico, Chartier e Hebrard debruçam-se a seguir sobre a questão das bibliotecas, traçando alguns perfis de bibliotecário que foram sendo diferentemente delineados em períodos também diversos da história.
O terceiro momento estuda os "Discursos" produzidos "sobre Leitura na Escola". Um retrospecto justo alia-se a uma análise fina dos papéis e lugares que a leitura escolar vem desempenhando e ocupando pelo tempo.
A. M. Chartier e J. Hébrard alertam o leitor para a convivência de paradoxos conceituais observáveis já no bojo de certas propostas educativas que, apesar de se alternarem, acabam mantendo vivas tais contraposições. Apontam ainda que, por entre as opiniões plurais, sobre o como focalizar a leitura, em seus muitos níveis, brotam e multiplicam-se aqueles conjuntos de exercícios que se propõem a implementar a atividade bem como aumentar o número de experiêcias e de pesquisadores que indagam continuadamente sobre o ato de ler. Como melhorar leitura na escola? Como transformar o gosto pela leitura em requisito cultural fortemente ancorado à sociedade? que textos indicar? É melhor prescrever? É melhor deixar livre a escolha? Afinal, a atração pela leitura é algo que se ensine?
Chamando a atenção para o aparecimento constante de novas teorias sobre a leitura escolar, os autores aconselham cautela, denunciando uma tendência de excessiva didatização dessas práticas escolares de leitura.
NO final, "relatos autobiográficos", de figuras intelectualmente reconhecidas, se revelam como formas multifacetadas do processo que multifacetado compõe as representações do ato de ler. Alinham-se a estas, representações outras, de ordem diversa, configuradas pelo estudo de "cenas de leitura", encontradas em pinturas, fotografias, cartazes.
Assistimos, à sedimentação da força do livro. Do livro que surge como "símbolo vivo, atrituto valorizador" de quem é retratado, de quem é fotografado. Se a leitura feminina ocorre paraticamente só nos espaços interiores, a leitura do jornal passa a integrar a ambientação figurativa pela mão-do-homem, acontecendo em "locus" aberto. A leitura continuada, fixada pela pintura será interrompida na fotografia que tira os olhos do leitor do texto, atraindo-os para a câmara.
Diferentes as formas de ler. Diferentes os modos de representá-las. Diferentes "lsoci" de leitura, leitores plurais. Se a pintura reproduz mais e melhor o espaço íntimo e solitário do leitor, a fotografia e os cartazes testemunham multiplicações: ruas, parques, livrarias, trens, prisões. Um, dois, muitos leitores...
Leitura passa a ser conjugada no plural. Lê-se pela informação, para o trabalho, pelo prazer estético, para a cultura. O ler transforma-se em atividade fortemente marcada pelo fazer social.
Assim, pelos matizes impressos aos temas abordados, pelo cuidado e rigor com a escritura, pela pertinência e atualidade do assunto, penso que "Discursos sobre a Leitura" passa a ser obra fundamental e inalienável aos meios universitários de todo o Brasil e aos estudiosos do assunto.

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