São Paulo, domingo, 2 de janeiro de 1994
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Quando um comediante fala sério

FRANK SANELLO

Por Frank Sanello*
Uma entrevista com o ator americano Robin Williams é sempre engraçada. Ele faz trocadilhos, imitações e não pára de brincar.
Nesta, o assunto seria seu último filme, a comédia "Uma Babá Quase Perfeita", em cartaz no Brasil.
Mas Williams surpreende: mostra seu lado sério, defendendo a causa gay e a luta contra a Aids
– Por que você se tornou um militante da causa da Aids?
– Eu perdi uma quantidade estúpida de amigos, entre 40 e 50 pessoas. Cinco anos atrás, as pessoas diziam "eu conheço uma pessoa que morreu de Aids". Agora, são dezenas. É toda uma geração, nossos futuros Proust e Tchaikovsky!
– Você também milita na causa gay, não?
– É que eu cresci em Castro District [principal bairro gay de São Francisco, EUA]. Por causa da Aids, a certa altura minha vizinhança se tornou igual ao Death Valley [Vale da Morte, deserto da Califórnia]. Foi muito sinistro. Havia placas de "vende-se" em muitas casas.
– Das 40 ou 50 pessoas de sua relação que morreram de Aids, quem foi o primeiro?
– O [ator perfomático] Michael Sklar. Mas agora a lista chega até o teto.
– Você não pensa em organizar um evento para angariar fundos para os doentes de Aids?
– Eu queria fazer uma maratona televisiva nos moldes do razoavelmente bem-sucedido "Comic Relief", que organizei em benefício dos sem-teto na HBO [rede de TV a cabo]. Já fiz muitos eventos em Nova York e São Francisco, para causas diferentes. Agora, acho que é hora de atingir as pessoas nacionalmente com uma maratona anti-Aids, porque a atenção delas está despertada pelo Magic [Johnson, ex-jogador de basquete que anunciou ser soropositivo em novembro de 91 e abandonou as quadras em novembro de 92].
– A Aids modificou o dia-a-dia dos atores?
– O que posso dizer é que os chek-ups de rotina e os exames médicos de admissão para filmes estão muitos mais rigorosos. Até três filmes atrás, você ia ao médico e ele dizia: "Tussa. Ok, você está ótimo. O próximo". Agora, eles examinam tudo e principalmente nos obrigam a recollher amostra de sangue para exames. Isso, para mim, é medicina invasiva. Eu não tinha percebido por que eles estavam fazendo isso. Agora sei que é porque querem saber quem está com Aids.
– E por que essa informação seria relevante?
– Pense no efeito que um teste positivo tem na carreira de um ator. Os patrões dizem que isso não vai afetar suas chances de ser empregado, mas nunca se sabe. Será que se eles descobrirem que você é soropositivo não irão negar trabalho? E a próxima questão: o convênio médico vai manter essa informação em segredo? Quem mais terá acesso?
– Então você é a favor de que pessoas famosas escondam o fato de terem Aids, como fez o ator Rock Hudson, e não que revelem a todos, como fez Magic Johnson?
– Brad Davis [ator americano de "O Expresso da Meia-Noite", morto em setembro de 91, aos 41 anos] não revelou que tinha Aids até o fim. Teria sido prejudicial para sua carreira ou para sua família se ele o tivesse feito? Eu não sei. Seria provavelmente bom para a causa, mas ruim para Brad.
– Mesmo assim, você é um ativista.
– Sim, pois eu gostaria de viver numa sociedade onde a Aids fosse tratada como uma doença comum, sem julgamento moral. Eu quero dizer "jogue fora seus preconceitos. Não aja com a moral do século 19. Perceba que há homens que amam homens e mulheres que amam mulheres. É uma preferência humana, e não uma aberração".
– De onde vem essa sua formação liberal?
– Acho que por ter vivido em São Francisco muito tempo. É uma cidade aberta . Ok, minha mãe cresceu em Nova Orleans e diz que é uma cidade aberta também.
– Você não pretende fazer um filme sobre a cidade?
– De certa maneira, sim. Vou fazer um fillme sobre a vida de Harvey Milk [ativista gay e assessor do prefeito George Moscone. Ambos foram assassinados pelo ex-assessor Daniel White em dezembro de 78. White pertencia à seita Templo do Povo, a mesma do pastor suicida Jim Jones]. Tenho especial afinidade com Milk porque ambos amamos muito São Francisco. E ele representava a comunidade gay, sim, mas organizou a cidade toda. Boicotou a Coors [marca de cerveja] ao mesmo tempo em que teve a seu lado os Teamsters [sindicato dos caminhoneiros]. Os Teamster, cara! Imagine a cena: "Você apóia Harvey?" [voz grossa de machão] "Sim, vai encarar?"
– Você não tem medo de interpretar personagens gays?
– Não. Outros atores heterossexuais como eu, Paul Newman, por exemplo, têm.
– E William Hurt em "O Beijo da Mulher Aranha"?
– William só ganhou o Oscar de melhor ator por essa interpretação porque todo mundo sabia que ele era heterossexual. Mas eu tinha receio de interpretar Harvey Milk, sim. Eu achava que os ativistas gays fariam objeções por eu ser heterossexual. Mas eles disseram: "Não, vá em frente".
– Você já fez interpretações de gays afetados em pequenos quadros cômicos, não?
– Em "Comic Relief", eu e Billy Cristal realmente interpretamos dois bailarinos gays afetados. Alguns adoraram, outros acharam ofensivo. Há gays afeminados e gays muito másculos, há toda a gama do comportamento humano. Você não pode colocá-los numa só categoria, como eu fiz naquela ocasião. Me arrependo.
– O que você acha do Jesse Helms [senador repúblicano pela Carolina do Norte, ultraconservador]?
– Eu o odeio. Cada vez que ele boicota uma emenda que daria verbas para pesquisas sobre a cura da Aids, tenho vontade de gritar: "Seu idiota! Você vai acabar eliminando a espécie humana!"
– Que conselhos sobre sexo você dá a seus filhos?
– Tenho três filhos, o mais velho com oito anos e meio. É difícil perceber quando é hora de falar sobre sexo com as crianças hoje em dia. Me disseram que meninos e meninas de 11, 12 anos já estão transando! Provavelmente colocarei camisinhas na lancheira de meus filhos [risos]. Falando sério, os rapazes costumavam dizer: "Eu não uso camisinha porque tira toda a sensibilidade!". Agora é: "Foda-se! Coloque isso aí!" Ignorância não é mais desculpa.
*INTERNATIONAL PRESS SYNDICATE /TRADUÇÃO SÉRGIO DÁVILA
MARIA HELENA MATARAZZO
02/01/94
Autor: CARMEN; MARCO; ELR . .
Editoria: REVISTA DA FOLHAPágina: 16
Edição: NacionalJAN 2, 1994
Vinheta/Chapéu: \<FD:"VINHETA-CHAPÉU"\> psicotécnico\</FD:"VINHETA-CHAPÉU"\>
MARIA HELENA MATARAZZO
Ela achou este teste "um tesão". Normal.
A paulistana Maria Helena Matarazzo, 56, mexe com sexo há 20 anos.
Divorciada, dois filhos, sexóloga e terapeuta de casais, ela é também escritora. Lançou em dezembro "Nós Dois-As Várias Formas de Amar", seu segundo livro

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