São Paulo, terça-feira, 4 de janeiro de 1994 |
Texto Anterior |
Próximo Texto |
Índice
O ano chega com São Silvestre e Romário
BOB FERNANDES
Dias de amuado silêncio aqueles. Brasileiros se esgueirando pelas ruas à exceção, é claro, daqueles que fazem de conta não dar pelota para a bola. No canal 41 –Univisión– a análise repetida: "Ridículo el Brasil". Até o dia em que chegou Romário. No porão de uma churrascaria verde-amarela em Newark, a 40 minutos de carro ou trem de Nova York, 300 torcedores amontoados. Sem janelas, com muito cigarro, e o coro geraldino "um, dois, três, quatro, cinco, mil, eu quero..." a cada aparição da parelha técnica –Parreira e Zagalo– no telão. Naquela tarde, o palavrão era alegre. O coro, repetido por todo o jogo, matava a saudade do Brasil. Romário em campo era a negação da tática absolutista. Era a imposição das circunstâncias, e da torcida, sobre o Brasil burro, safado. O Brasil da bola contra o Brasil das bolas e boladas. Jogo duríssimo e que ainda vai longe. Na virada do ano, vendo pela primeira vez nas ruas a São Silvestre, diante de um corredor embandeirado, pensei em tudo isto. Os costumes, fatos e personagens ao longo de 15 km de corrida tambem se se prestam a alegorias. A TV Globo é a dona da bola, digo, da corrida. O etíope Fita Bayesa, para se guiar, grudou os olhos no logotipo do utilitário global, que à frente comandava o espetáculo, e mandou ver. Errou a entrada, não achou a saída a tempo. Perdeu. O utilitário global seguiu seu caminho. A largada tambem é algo incompreensível. Concentração. Esta é a palavra-chave para todos os corredores e técnicos. Difícil a concentração. "O meu chamego é meu xodó", Raça Negra, Só Prá Contrariar, o pagode imperou por todo o percurso da largada na tarde do dia 31. E a potência das caixas que despejaram som ao pé-do-ouvido dos atletas foi coisa de humilhar trio elétrico. Fora da "rave"-Paulista, as coisas não correram melhores para os concentrados, com três helicópetros zunindo sobre suas cabeças. Nas calçadas e ruas, como nas arquibancadas, os anônimos fazem a festa. Trajados a rigor dois garçons, bandejas e garrafas nos braços, correm uma prova à parte dentro da São Silvestre. Sapato, terno e camisas brancas, gravata-borboleta vermelha, um cidadão arranca aplausos entusiasmados. Vaias, sabe-se lá por quê, a um Tartaruga Ninja perfeito, com direito a espadas e demais adereços. Na subida da av. Brigadeiro Luiz Antônio, vaia absoluta. Camisa verde e amarela, máscara do Parreira no rosto, o masoquista vai guardando o seu quinhão."Burro, burro", berra o coro. Ele passa e surge o delírio nas calçadas. Baixinho, número 9 às costas, o mascarado de Romário puxa o gritos de "Brasil, Brasil". E é enorme o silêncio quando o velho corredor passa carregando a bandeira do Brasil. Nenhum aplauso. Nenhum grito. Como as arquibancadas naqueles milésimos de segundo que antecedem o pênalti decisivo. Parreira e Romário lembram a festa que veio, e poderá, quem sabe, vir de novo com a bola neste 1994. A bandeira, piegas ou não, lembra tudo. O dia e o ano seguinte. Ninguém vaia, ninguém aplaude. Silêncio quando o velho embandeirado passa em frente ao Teatro Bandeirantes, com "Porca Miséria" em cartaz e, num passo lento e arrastado vai subindo a ladeira.. Texto Anterior: Ana Moser já acredita na seleção; A FRASE; Europa elege os melhores de 1993; Dirigentes querem unificar título; Saiu a tabela dos quadrangulares; Ferrari contrata engenheiro japonês Próximo Texto: Campeão da SS fica sozinho no último dia em São Paulo Índice |
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress. |