São Paulo, quinta-feira, 6 de janeiro de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Farras e tragédia marcaram filmagens

MARCO CHIARETTI
DA REPORTAGEM LOCAL

Orson Welles era o gênio máximo do cinema quando chegou ao Rio, em fevereiro de 1942. Depois de "Cidadão Kane", exibido um ano antes, metera-se em três projetos ao mesmo tempo. Chegou ao Brasil e abafou. Inventou um drinque –o "Samba de Berlim"–, mistura de coca-cola com cachaça, e só aí já disse tudo: viera integrar o país ao esforço de guerra norte-americano contra Hitler, Mussolini e Hiroíto. A América Latina estava em dúvida, e Welles (assim como Walt Disney e sua união de Pato Donald e Zé Carioca) veio pra cá ajudar a decidir.
No Rio, foi recebido por Getúlio Vargas e pela sociedade em peso. Há fotos suas com o muito jovem Vinicius de Moraes. Aparece sorrindo (tinha 26 anos) no terraço do Copacabana Palace, bebendo com alguns brasileiros típicos e dançando com "mulatas inzoneiras". O Brasil –e o Rio de 42– era tudo o que ele queria.
Há histórias mitológicas. Para começar, não havia script –como lembra Grande Otelo. A filmagem ia seguindo, com rolos e rolos de filmes sendo gastos para mostrar o carnaval e suas cores, uma dança que acaba virando briga e volta a ser dança e a mistura absoluta que encantou o cineasta. Não havia Sambódromo nem nada que parecesse Hollywood. Welles adorava tudo.
Tinha uma namorada mexicana, a atriz Dolores del Rio, que acabou brigando com ele, por que os rumores diziam que por suas mãos passava uma moça "a cada 30 minutos". Jogava móveis pela janela quando estava bêbado. Não saía do Cassino da Urca. Foi um dia a Belo Horizonte e quase acabou preso, não se sabe se porque resolveu subir numa árvore e urinar nos passantes ou porque visitou a zona boêmia da cidade e, bêbado, se meteu numa briga. Welles era um gênio reconhecido desde os dois anos de idade e sabia disso. Era um homem bonito, e também sabia disso. E tinha muito dinheiro.
Por que "It's All True" não deu certo? Há várias versões: gastou-se muito dinheiro (quase um milhão de dólares, da época, uma fortuna das grandes); filmou-se muita favela e Getúlio não gostou; havia muito negro nas fitas e os norte-americanos racistas não gostaram; não precisava mais, já que em julho (quando o sonho acabou) a guerra já estava se decidindo e o Brasil pendia para o lado dos EUA; o presidente da RKO, a produtora, foi derrubado, aliás, a versão do próprio Welles, contada no início, com ironia (não foi um golpe latino-americano que acabou o filme, foi um golpe hollywoodiano...); um dos jangadeiros heróis morreu nas filmagens etc. etc. etc. A melhor deve ser a que Peri Ribeiro dá: tinham que mandar um documentarista qualquer mostrar as belezas tropicais do exotismo brasileiro e mandaram um gênio. Deu no que deu.
Menção especial merece a morte de Jacaré, o jangadeiro com "cheiro" de comunista –o que não pegava bem na época– que virou amigo de Welles e morreu afogado em plena baía da Guanabara, quando a equipe filmava a chegada triunfal, remontando o fim da epopéia. Jacaré, depois de ficar 61 dias no Atlântico sem bússola, morreu de maneira estúpida, um acidente do qual Welles não teve culpa alguma. Austregésilo de Athayde escreveu seu "Fora, Ianque!". E Welles foi. Ficaram os ianques. (MC)

Texto Anterior: Pipoca; Pó-de-mico; Trevo; Praça da alegria; Gaiola
Próximo Texto: 1941
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.