São Paulo, quinta-feira, 6 de janeiro de 1994
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'Reflexões' traz o jornalismo de Greene

JOSÉ GERALDO COUTO
DA REPORTAGEM LOCAL

O inglês Graham Greene (1904-91) concentrou de certo modo em sua trajetória o destino do romancista no século 20: recorreu ao jornalismo e ao cinema como meios de ganhar a vida, imiscuiu-se nos grandes dramas políticos do tempo (guerras, crises, revoluções) e fez deles a matéria-prima de sua ficção.
Estas "Reflexões", publicadas na Inglaterra um ano antes de sua morte, dão conta dessa vida atribulada entre as trincheiras da história e o exercício da literatura. São artigos, críticas e crônicas publicados na imprensa durante quase sete décadas (entre 1923 e 1988). Através deles desfila o século, testemunhado pela consciência alerta, irônica e compassiva desse católico de esquerda que sempre metia o bedelho onde não era chamado.
Para o conhecedor dos romances de Greene, o livro tem o atrativo suplementar de mostrar o embrião de várias de suas histórias. No artigo "Recordação da Indochina" (1955), por exemplo, o leitor encontrará cenas e impressões que seriam retrabalhadas ficcionalmente em "O Americano Tranquilo". Nas crônicas sobre o Paraguai e o Haiti estão as sementes de "Viagens com Minha Tia" e "Os Comediantes".
Na crônica "Tocando Realejo" (1928), em que relata sua perambulação por Hertfordshire, disfarçado de mendigo, vemos uma espécie de antecipação do jornalismo praticado hoje pelo alemão Gunther Wallraff –aquele que se disfarçou de turco para sentir a barra dos imigrantes.
Mas o mais interessante de "Reflexões" talvez seja a série de textos que relatam a atribulada relação do escritor com o cinema. Greene, que teve diversos livros adaptados para a tela –entre eles "O Poder e a Glória", "O Americano Tranquilo" e "O Fator Humano"– e trabalhou como roteirista de histórias próprias e alheias, tinha uma visão bastante cética sobre as possibilidades de transposição da literatura para o cinema.
Ao mesmo tempo, porém, revela, já em textos dos anos 30, uma aguda percepção do cinema como linguagem potencialmente poética, além de antecipar alguns temas que só anos depois ganhariam primeiro plano: a dialética entre o caráter nacional de um filme e seu destino universal, a sobrevivência do artesanato no interior da indústria cinematográfica etc.
Para Greene, o cinema tinha de ser, antes de tudo, direto e popular como uma briga de galos. Se, além disso, o diretor fosse capaz de criar uma emoção poética, teria atingido o máximo a que o meio poderia aspirar.
Seu critério básico para avaliar um livro ou um filme era de uma simplicidade assustadora (e eficaz): inspirado por uma fórmula de Tchecov, esperava que a obra mostrasse ao mesmo tempo "a vida como ela é e a vida como deveria ser". Mais ou menos como acontece nos romances de Graham Greene.

Título: Reflexões
Autor: Graham Greene
Tradução: Waltensir Dutra
Páginas: 318

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