São Paulo, quinta-feira, 6 de janeiro de 1994
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O Réveillon dos bicheiros

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO – A decadência atribuída ao Rio de Janeiro é injusta. Foi a única cidade do mundo que teve um Réveillon de bicheiros devidamente encanados e será a única unidade da Federação que abrirá uma CPI específica para saber quantos quilos de caviar e quantas garrafas de champanhe foram consumidas na festança.
É uma inovação, tanto em matéria de Réveillon como de prisão. Em 1968, depois do AI-5, passei a noite de ano novo numa cela do Batalhão de Guardas, em companhia de Joel Silveira. Nada de caviar e champanhe: tivemos o bandejão regulamentar, o coronel comandante era sergipano e admirador do Joel, mandou-nos uma garrafa de vinho produzido em Nova Iguaçu.
Eu não sabia que o nobre município da Baixada Fluminense chegara a tanto, mas estava no rótulo: "Produzido com as uvas das melhores cepas de Nova Iguaçu". Prudentemente preferi a água também regulamentar, mas o Joel, que não bebia desde o dia 13 de dezembro, acreditou nas uvas das melhores cepas e teve a mais abominável ressaca de uma vida acidentada no setor.
Com os bicheiros foi diferente. A CPI em breve fornecerá novos detalhes à nação. Sabe-se que os comes-e-bebes chegaram em carros importados –que impõem um baita respeito entre executivos, policiais e carcereiros. PC Farias, apesar de seus hábitos sofisticados, ficou reduzido a frutas e legumes. Brasília é Brasília, ilha da fantasia para uns, continente de pesadelo para outros, inclusive para o presidente Itamar Franco.
O Rio continua na dele. Produziu antecipadamente o logotipo de 1994: a confraternização da Isabelita dos Patins com o ministro que zela pelas burras nacionais. Há mais do que uma coincidência no encontro: o transformista que de dia exerce o popular ofício de desempregado e, à noite, se transforma em "drag queen", fazendo shows incrementados; e o ministro que transformou o cruzeiro plebeu em cruzeiro real, num show também incrementado que nos custa 45% ao mês de inflação.
Há túnel no fim da luz: Ano que vem, a Embratur e a Riotur, gentilmente coligadas, poderão explorar a ceia dos bicheiros como atração suplementar do Réveillon carioca. Trará divisas e merecerá especial cobertura no programa do Faustão.

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