São Paulo, sábado, 8 de janeiro de 1994
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Passos pra frente e pra trás

RENATO JANINE RIBEIRO
"VIDEO MELIORA, PROBOQUE; DETERIORA SEQUOR."

Ovídio, "Metamorfoses"
"Vocês não valem nada, são lixo.". Com essas palavras, o prefeito da telenovela "Fera Ferida" desnudou-se a seus eleitores, que nem por isso se revoltaram ou deixaram de aplaudi-lo quando, retornando à sobriedade, ele voltou à demagogia e à mentira.
Assim a novela tocou num ponto nevrálgico de nossa vida política: o que faz que tantos eleitores, embora a informação esteja a seu dispor, votem sistematicamente contra todas as evidências? Para citar o velho verso de Ovídio, que vejam e aprovem o melhor, mas sigam o pior?
Lembremos a campanha collorida de 1989. A Folha, em especial, reportou o que havia de duvidoso na imagem do "caçador de marajás". Adiantou? Ou vejamos os eleitores de Maluf em sua primeira disputa majoritária bem-sucedida, em 1992. Quantos não votaram nele sabendo do vazio de suas promessas? Quatrocentos anos de autoritarismo, agravados por 20 de ditadura, não deram a nosso povo a educação democrática de que precisa. Afirmar, neste contexto, que o brasileiro sabe votar seria uma temeridade.
Mas, por outro lado, as coisas mudam. Com passos pra trás e pra frente, o país toma consciência das coisas que vão mal e cobra os poderes constituídos. Começou com o Executivo, passa agora ao Legislativo e deve chegar ao Judiciário (caso da Previdência) e ao grande capital (empreiteiras, suborno de PC). O avanço é inegável.
Por ora, contudo, é só um controle externo, a posteriori, de quem procedeu mal. E com um risco nada negligenciável, o da aversão a todos os políticos em geral. Ouvimos, constantemente, esse discurso, em especial na voz dos que não têm prática ou afeição democrática. Nota-se, aliás, que o autoritarismo dispõe de vasto público junto àqueles que, ao verem a triste face da corrupção, ocultada antes pela censura e a ditadura, pensam que suprimindo as lentes eliminam a imundície.
É preciso mais: que nossa cidadania não se expresse apenas na defensiva, falando mal dos políticos indistintamente, ou mesmo punindo os corrompidos, mas de forma positiva, afirmativa, fazendo do voto e de outras formas de atuação na vida política instrumentos para modificar o perfil do poder em nosso país.
Isso ainda não ocorre. O voto continua sendo dado com pouca responsabilidade, sem que o eleitor tenha a justa noção de seu valor, sem que saiba que a cédula na urna define a qualidade –para ficarmos no exemplo municipal– da saúde, do transporte, da educação que terá. As eleições de 1994 dirão se começamos, realmente, a mudar.

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