São Paulo, sábado, 8 de janeiro de 1994
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O NÚMERO DO LEITOR

8 das 201 cartas recebidas pelo Painel do Leitor na semana passada discutiam a violência na sociedade brasileira.
Falta de compromisso nas urnas
08/01/94
Autor: LEÔNCIO MARTINS RODRIGUES IRENE; CRISTINA; ELR . .
Editoria: PAINELPágina: 1-3
Edição: NacionalJAN 8, 1994
Observações: PÉ BIOGRÁFICO; O BRASILEIRO SABE VOTAR?
Vinheta/Chapéu: \<FD:"VINHETA-CHAPÉU"\>NÃO \</FD:"VINHETA-CHAPÉU"\>
Falta de compromisso nas urnas
LEÔNCIO MARTINS RODRIGUES
NÃO
O nível de informação e de interesse pela política na maior parte do eleitorado é baixo
Depois da frase de Pelé, tornou-se politicamente correto negar que o povo brasileiro não saiba votar. Desconfio que isso se deva ao receio de parecer antidemocrático. Mas poucos teriam a coragem de afirmar, em especial depois da eleição de Collor de Mello, que o brasileiro sabe votar.
Na realidade, a proposição é de tal modo inespecífica que não é, em si mesma, nem certa nem errada. Para começar, a que eleições se refere a frase? Quando elegeu Luiza Erundina, o eleitorado paulistano soube votar? E quando elegeu Paulo Maluf? E quando os votos, em eleições majoritárias, se dividem entre vários candidatos, diríamos que alguns eleitores souberam votar e outros não? Seria possível, a partir de cada escolha, estabelecer uma escala estabelecendo uma "capacidade de votar bem"?
Mas, além de inespecífica, a proposição é ambígua porque pode se referir tanto à escolha em si deste ou daquele político como aos motivos e procedimentos que orientam e fundamentam a preferência. Com relação à escolha de um determinado candidato, não se tem elementos para avaliar se ela é certa ou errada.
As opções políticas são ditadas por uma mescla de interesses e valores. O que é certo para uns não o é para outros. Não há uma maneira "científica" de votar. O candidato socialista pode ser bom para os socialistas e mau para os liberais. Para estabelecer qual deles seria melhor teríamos que recorrer a outros critérios que, por sua vez, estariam fundados em outros valores e assim por diante.
Por isso a avaliação do saber votar só tem sentido como um julgamento do modo como a escolha é feita pelo eleitorado, quer dizer, do grau de informação de que dispõe para avaliar em que medida o candidato ou partido em que está votando, de fato, tem alta probabilidade de atender às suas expectativas. Ou seja: se há adequação entre os interesses e valores do eleitor e os do candidato escolhido.
Votaria errado o socialista que, por desinformação, votasse no candidato liberal, ou vice-versa. Acontece que entre nós (mas não apenas entre nós, é bom esclarecer) o nível de informação e de interesse pela política da maior parte dos eleitores é baixo. Os programas partidários, assim como o passado político dos candidatos, seus compromissos programáticos etc., geralmente contam pouco e muita gente vota apenas porque é obrigada.
Por isso, o descomprometimento entre os eleitos e seus eleitores é mais forte do que nos países em que os partidos estão melhor estruturados. É nesse sentido, e apenas nesse, que me inclino a responder que a maioria do eleitorado brasileiro não sabe votar: no sentido do grau de adequação entre suas expectativas e a escolha daqueles que devem preenchê-las.

Leôncio Martins Rodrigues, 59, é professor de ciência política da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). É autor de "CUT: Os Militantes e a Ideologia" e "Força Sindical - Uma Análise Sócio-Política", entre outros livros.

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