São Paulo, domingo, 9 de janeiro de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Diretor fala dos atores em texto inédito

DO "CORRIERE DELLA SERA"

A seguir, o trecho de um texto escrito por Fellini para um projeto que planejava fazer com a rede de TV RAI Tre. Nele, o diretor se refere aos atores que pretendia entrevistar, fazendo uma homenagem à magia da interpretação.
*
"Uma declaração de amor do titereiro às suas fabulosas criaturas. As entrevistas, das quais teriam se originado as histórias e as várias fantasias, poderiam realizar-se no palco deserto de um teatro com sua platéia vazia recoberta por uma tela branca, que faça com que pareça um campo recoberto de neve.
Gostaria de chamar cinco ou seis atores exemplares que, estimulados por perguntas curiosas e indiscretas, naquele espaço mágico feito por uma obscuridade iluminada, falarão de si próprios, de sua relação com o público, de seus sonhos, manias, tiques, a ingênua introversão, a vaidade, o seu neurótico senso de crise de identidade, para poder, assim, traçar, através de suas confissões, suas confidências, o retrato psicológico daquele arquétipo humano que o ator encarna obedecendo sempre a uma mítica vocação que é a de mascarar-se, comportar-se, inventar-se, fingir-se outro, simulando a vida e a morte diante de alguém que o está escutando confiante, com uma enorme vontade de crer que tudo é verdade.
Majeroni, Febo Mari, Gustavo Giorgi, Moissi... Estes vultos reais e românticos apareciam de repente, numa manhã de inverno... nas fachadas das casas, atrás das vidraças do Café Commercio, na praça, na estação, e lá de cima olhavam sem nos ver, como inalcançáveis divindades, prometendo que, talvez sim, viriam nos encontrar, se materializariam. Um presente dos deuses a nossa pobre, sonolenta, esquecida cidade. Seres sobrenaturais, uma outra raça... Não conseguia imaginar o que seria a vida de um ator fora do palco ou do telão branco do cinema...
Gostaria então de encontrar, se fosse possível, Salvo Randone, símbolo dos atores de teatro... Marcello Mastroianni, ator-divo; Giulietta Masina, na tipologia do ator estilizado, do eterno clown; Pietro De Vico, Pupella Maggio, ou qualquer palhaço centenário..."

Tradução de Anastasia Campanerut

Texto Anterior: Fellini se recusa a sair de cartaz
Próximo Texto: Cada um escolhe a maneira de agir
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.